Dom José Marello, uma pérola escondida (Parte I - Apresentação)

DOM JOSÉ  MARELLO
UMA PÉROLA ESCONDIDA
Pe. José Antônio Bertolin, OSJ.

APRESENTAÇÃO

T
raçar o perfil moral e espiritual de uma personalidade rica e fascinante como aquela do Bem-Aventurado José Marello, é  uma  tarefa complexa, quanto difícil e quase impossível. Contudo qualquer tentativa neste campo é válida, dado que este personagem permanece sendo não apenas para  os Oblatos de São José, mas para toda a Igreja, de uma atualidade surpreendente, respondendo plenamente aos requisitos do cristão ou de qualquer sacerdote dos nossos tempos.
O propósito deste opúsculo não  é uma simples menção agiográfica, nem mesmo uma biografia no estilo tradicional, mas uma seqüência dos fatos como flash que iluminam a pessoa e a personalidade do nosso Fundador. Quis propositalmente que o próprio Marello num estilo diferente e simples narrasse sua própria história. Portanto, está excluída  uma biografia analítica ou detalhada, mas sim uma  evocação dos acontecimentos exteriores e interiores naquilo  que foi possível, que marcaram a sua vida. É uma narração em primeira pessoa da qual ele é o protagonista.
José Marello foi  um homem com seus defeitos e limites, portanto alguém não desenraizado de seu ambiente histórico-existencial, contudo seus carismas espirituais não podem ser ignorados, seus valores e sua  pertinácia na busca do bem, da superação de si mesmo e do esforço ascético de  santidade, foram realçados desde o cultivo ainda na juventude dos andentes sonhos de renovação social até o incansável processo individual na busca da santidade.
Estou certo de que o Bem-Aventurado José Marello nos fala hoje em termos sempre atuais e a sua mensagem atinge com uma ressonância toda particular a nós  seus filhos e seguidores.
Pe. José Antonio Bertolin, OSJ
PROVINCIAL, OSJ
Curitiba, 30 de maio de 1995

Dom José Marello, uma pérola escondida (Parte I - Do Nascimento à Morte da Mãe)

PARTE I 
DOM JOSÉ  MARELLO
UMA PÉROLA ESCONDIDA
Pe. José Antônio Bertolin, OSJ.
DO NASCIMENTO À MORTE DA MÃE
  Meu pai  chamava-se Vicente Marello. Apenas tinha completado 18 anos, deixou seus pais e seus dois irmãos menores com a firme decisão de não mais cultivar o pedaço de terra que sua família possuia junto a São Martinho Alfieri. Sua escolha foi dura para toda a família, mas disposto como estava, meu pai procurou explicar sua decisão ao meu avô dizendo-lhe:
- Papai, eu sou o filho mais velho da família, e como o senhor vê, a nossa vida aqui neste lugar tem sido muito difícil; nossos parrerais quase não rendem mais nada. Então é melhor que eu vá tentar a vida numa cidade grande. Vou para Turim, lá já conheço alguns amigos e tendo alguns de nossos parentes, poderei encontrar um bom trabalho e endireitar a vida de todos nós.
A decisão de meu pai foi muito acertada, pois logo começou a trabalhar e ganhar dinheiro e assim recebeu todo o incentivo da família,  indo em seguida também para Turim o meu Tio Domingos.
Turim era uma cidade bonita e com muitas possibilidades, pois era a capital do Piemonte e já então tinha uma população aproximadamente de 130 mil habitantes. Para ela  mudaram-se, nos últimos anos, um número incontável de famílias, sobretudo de camponeses da Região, sempre em busca de trabalho e de um pouco mais de conforto para a vida.
A Turim que hoje para vocês é uma moderna cidade industrial do meu país, vivia naquela época em plena ebulição. Ali pululavam as idéias renascimentistas em busca de uma nova Itália. A indústria se desenvolvia rapidamente e o comércio se tornava cada vez mais próspero, impulsionado pelas riquezas dos senhores. Entretanto a miséria arrastava muitos para as favelas. Contudo, as portas, não se fechavam para aqueles, que com tenacidade buscavam dias melhores.
Rua Dei Pasticereri. Sim, será ali que vou buscar um trabalho, pensou meu pai. Afinal, nesta rua morava a família Secco, muito conhecida e tradicional em Antigno D'Asti, um lugarejo próximo a São Martinho Alfieri. Além de serem grandes comerciantes de queijos, eram também de muita fé.
O intuito empreendedor de meu pai, foi recompensado imediatamente, tornando-se vendedor da indústria de queijos do senhor Secco. Cheio de boa vontade e forjado para o trabalho como era, começou a comercialização de queijos na região e por praças nunca antes frequentadas por vendedores.
Familiarizado com o trabalho e vendendo bem, meu pai constatou:
-  Sinto que tenho mesmo o tino para o comércio, pois já em pouco tempo ganhei muito dinheiro e ganharei muito mais. O senhor Domingos Secco, estima-me muito e assim progredirei ainda mais, e poderei ajudar minha família e até aqueles mais necessitados.
Homem de fé e de freqüência aos sacramentos, ficou logo conhecido na comunidade, sobretudo pelo seu pároco, José Cottolengo da Igreja "Corpus Domini", a qual não era muito distante do local de seu trabalho. Sabedor de suas qualidades e disponibilidade, o pároco não titubeou , e  convidou-o  para ser um dos seus colaboradores.
-Vicente, disse-lhe o ilustre prelado - Já faz um bom tempo que estou organizando uma obra de caridade para nossos pobres e doentes e estou precisando da ajuda de jovens como você.
Sensibilizado pela obra e fascinado pela figura carismática do seu pároco, meu pai com seus 21 anos, começou seu enganjamento logo presenteado para aquela obra de caridade nascente, os primeiros lenções, alegrando assim, muitos daqueles corações carentes.
Os anos corriam e os negócios continuavam prósperos e seu patrão cada vez mais o estimava, a ponto de confiar-lhe boa parte da administração dos negócios.
Com o passar dos anos, meu pai já maduro, precisava tomar uma decisão quanto ao seu futuro, à sua vocação. Por isso o senhor Secco, um dia, chamou-o à parte e disse-lhe:
- Vicente, você já está com seus 31 anos,  portanto precisa pensar um pouco mais no seu futuro,  em uma família. Você tem dado provas ao longo destes anos de ser uma pessoa de confiança e sincera. Sei que Maria Madalena, minha filha e você se amam, então porque vocês não se casam?
Outra luz brilhou naquele momento para o meu pai. Casar-se com a filha do meu patrão, era o que ele há muito tempo desejava porque ele a amava e além do mais, isto consolidaria para sempre o seu trabalho e sua prosperidade.
A proposta do senhor Secco, foi levada a sério por ambos, e bastaram apenas alguns meses de preparação e eis que na mesma igreja de "Corpus Domini" se uniram para sempre.
Mas aquela alegria, os projetos de um futuro feliz, estavam fadados a durar pouco tempo, pois sua querida esposa morria aos 19 de janeiro de 1841 sem ao menos deixar-lhe um filho.
A morte da querida esposa de meu pai, foi um acontecimento inesperado,  portanto um grande golpe, mas seu forte caráter não permitiu que seu espírito empreendedor esmoressesse, e por isso continuara comercializando queijos e ganhando dinheiro. Sozinho, depois da experiência do casamento, sua vida torna-se mais difícil, por isso, depois de um ano da morte de sua esposa, encontrou uma bonita e jovem de apenas 20 anos, de nome Ana Maria Vialle. Também este seu segundo amor era de uma família rica e bastante conhecida em Turim. Esta logo se enamorou deste próspero comerciante e após um tempo de namoro, marcaram o casamento para o dia 26 de fevereiro de 1843, e na igreja de Nossa Senhora da Assunção, receberam a benção nupcial.
Casados, procuraram uma bonita e espaçosa casa na mesma e famosa Rua Dei Pasticieri, esta  em Turim, era lugar comum da residência de príncipes e embaixadores. Era também o ponto de encontro dos artistas e dos comerciantes. Localizava-se ainda ali a conhecida igreja de São Francisco de Assis, e ao lado desta existia um colégio onde o padre José Cafasso, ajudava na formação de aproximadamente 50 sacerdotes, para poder melhor inserí-los na sociedade de então que além de exigente, era pragmática, agnóstica e marcada pela semente da maçonaria. Dentre estes jovens sacerdotes, encontrava-se também Dom Bosco que certamente conhecia o meu pai.
Neste ambiente meu pai e sua esposa compartilhavam as experiências e os projetos. Meu pai tinha uma vivência de 18 anos de trabalho em Turim e possuía consequentemente, uma boa posição econômica e social, entretanto seu espírito dinâmico e irriquieto procurava e queria ainda mais.
- Maria, disse-lhe certo dia meu pai,  fiquei sabendo que o Marquês Miguel Benso di Cavour,  o atual chefe da polícia de Turim, concedeu permissão para todos os trabalhadores, de exercerem suas profissões fora de nossa região. Vou aproveitar esta oportunidade para estender o nosso comércio fora daqui,  quero chegar até a Suissa.
- Sim Vicente, você é ainda jovem e com  seu espírito empreendedor poderá conseguir muita coisa, Ficarei aqui conduzindo as nossas vendas, enquanto não chega o nosso bebê.
O ano transcorria conforme tinham planejado. Ambos sabiam que à medida que se aproximava o clima das festas natalinas,  chegaria o filho primogênito.
E assim aconteceu. No dia 26 de dezembro de 1843, às 09 horas, enquanto ainda os sinos das igrejas da capital Sabáuda  repicavam, manifestando a alegria do nascimento do Deus feito homem, para a humanidade, vinha ao mundo um bonito e robusto menino dando alegria para toda a família  Marello. Este menino era eu. Imediatamente meu pai foi comunicar aos meus avós, em São Martinho Alfieri, a feliz notícia.
- Papai, disse ele ao meu avô, hoje eu sou pai! nasceu o seu primeiro neto e eu quero que o senhor e a  mamãe, venham ainda hoje comigo para Turim, porque nós já decidimos que ainda hoje nosso filho será batizado. Está tudo combinado com o nosso pároco da igreja de "Corpus Domini"e o batizado está marcado para às 18 horas, e vocês serão os padrinhos.
Meus avós radiantes de alegria se preparam e  em seguida acompanharam meu pai para Turim.
Ainda naquela tarde meu nome foi escolhido. Mamãe preocupada com meu nome perguntou a papai:
- Vicente, qual será mesmo o nome que daremos ao nosso filho?
- Vamos chamá-lo com o nome de meu pai: José Chiaffredo, acrescentando também Estevão, em homenagem ao Santo que hoje celebramos.
Portanto, meu nome estava escolhido: José Chiaffredo Estevão Marello.
Naquele mesmo dia acompanhado de meus pais, meus avós e de alguns amigos da família, na igreja de "Corpus Domini", que desde 1453 tinha sido palco da realização de um dos milagres eucarísticos, onde depois que o hostensório com a Sagrada Hóstia, fora roubado por dois soldados de Ludovico de Savóia para vendê-lo, foi recuperado, quando era transportado, escondido numa carga sobre um burro e este, ao passar diante do lugar sagrado da Igreja, caiu por terra. A hóstia consagrada, imediatamente elevou-se radiante, diante da multidão atônita. Desceu depois nas mãos do bispo de Turim, em meio aos fiéis em oração.  Fui batizado neste dia e tornei-me filho de Deus e da Igreja.
Quase quatro anos depois do meu nascimento, meus pais felizes e unidos, foram presenteados com  mais um filho no dia 27 de maio de 1947. Este foi meu único irmão, e recebeu o nome de Vittório Marello.
Era  uma família realizada, com  planos e esperanças. Mas eis que de repente surgem as adversidades.Desencadeia-se uma ferrenha revolução que se propagou em pouco tempo por toda a Europa. Ela trouxe a instabilidade, não apenas para a minha família, mas para todas, tornando-as inseguras e ameaçadas. Paris, Berlim, Viena se envolveram e com isto, também a Itália através de seu Rei Carlos Alberto , declarava no dia 23 de  março de 1848, guerra contra a Áustria.
Entretanto, não foi somente por esta provação que passamos, pois somando-se  a esta contemporaneamente minha mãe caia gravemente enferma, de sorte que todas as tentativas para salvá-la eram inúteis, fato este que deixou meu pai profundamente  abalado e consternado. Eu era ainda pequeno e pouco compreendia o que estava acontecendo, mas via as lágrimas cairem dos olhos de meu pai, assim como também as suas orações  elevarem-se até aos céus. Porém os desíginios de Deus, eram outros, pois ele queria que minha estimada e santa mãe fosse para junto Dele para sempre.  Assim, depois de alguns meses, aos 05 de abril de 1848, na plena flor da idade, com apenas 24 anos , partiu para a eternidade, deixando órfãos a mim  e o meu irmão Vittório, com apenas poucos meses, e o meu pai viúvo pela segunda vez.
Sim, pela segunda vez, meu bondoso pai tinha-se tornado viúvo. Os dois amores de sua vida, como duas flores perfumadas tinham enfeitado por pouco tempo a sua vida. Meu pai passava, então por  profundos questionamentos e certamente perguntou-se:
- E agora como vou  fazer?  Quem cuidará de meus filhos? Como ficam os meus negócios? A minha vida?
Perguntas pertinentes para um homem decidido e sempre à busca do sentido para sua vida. Mas, assim como quando ainda jovem, uma luz o iluminou para tomar uma decisão que mudou o rumo de sua vida, quando resolveu mudar para Turim, assim também uma nova luz, voltava a brilhar para guiá-lo e fazê-lo tomar uma decisão prudente e segura.
Veio-lhe ao encontro Catarina Secco, irmã de  sua primeira esposa e esta se ofereceu para cuidar de mim e de Vittório. Meu pai que continuava sendo sempre estimado pela família Secco e com a qual sempre manteve um estreito relacionamento, mesmo depois da morte de sua primeira esposa, aceitou a generosa disponibilidade de Catarina, que se tornara nossa segunda mãe, continuando o mesmo estilo educativo de minha mãe, conduzindo-nos ao amor de Deus e à Virgem Maria, o que cristalizará na alma de nós dois, ainda crianças, uma verdadeira vida cristã.
Depois da morte de minha mãe, vivemos ainda quatro anos em Turim. Neste período, portanto durante meus nove primeiros anos, vivi no contexto daquela grande cidade. Ali ainda criança, comecei a participar das missas na igreja  de "Corpus Domini". Ali conheci o acontecimento do milagre eucarístico, toquei  aquele lugar onde ele ocorreu e pelos exemplos de meu  pai e de minha "segunda mãe", aprendi a amar Jesus escondido no sacrário. Foi ali mesmo aos pés do altar de Nossa Senhora, onde diante da imagem da Virgem, José Cottolengo tinha iniciado em 1828 a sua  grande obra de caridade para com os pobres e doentes para os quais eu, muitas vezes, ajoelhei-me e rezei.
Neste clima eu respirei aquele ar e perfume de santidade dos  grandes santos Torinenses tais como: Cottolengo, Cafasso, Bosco, Faà de Bruno e tantos outros.
Foi sem dúvida também ali neste ambiente que aprendi amar a Virgem Santíssima e passei a cultivar-lhe uma devoção e afeição que acompanhará durante toda a minha vida, escolhendo-a como minha mestra e guia.
Eu e meu irmão, crescíamos muito afeiçoados por Catarina Secco e ela também por sua vez nos amava muito dedicando-se completamente ao nosso crescimento e educação. Sendo jovem, ela devia esposar-se , mas não queria deixar-nos, por isso pediu a papai:
- Vicente, estou para esposar-me, gostaria de deixar as portas abertas para os seus negócios, por isso quero adotar José e Vittório como meus e levá-los comigo.
Mas, meu  pai, embora enfronhado no  trabalho, não nos esquecia e nos amava muito, e assim respondeu à minha querida Catarina.
- Eu lhe agradeço muito minha bondosa cunhada, sou muito reconhecido pelo que você fez por mim e pelos dois meninos, durante estes anos, mas eles são meus filhos, devo tê-los comigo. Estive pensando muito e resolvi voltar morar novamente em São Martinho, junto de meus pais. Ali os dois crescerão em contato com a  natureza, em meio aos parrerais e ao sol benéfico das colinas. Além do mais, Turim está ficando cada vez mais uma cidade grande, complicada e difícil de se viver.
O pensamento de meu pai, foi concretizado logo em seguida, e no início de 1852 transferimo-nos  para São Martinho, onde papai adquiriu uma  casa e alguns bens e voltou à vida de agricultor. A orfandade de mãe, minha e de meu irmão, tinha levado meu  pai deixar sua carreira de comerciante para pensar em nós.
Meu novo ambiente agrícola e diferente da grande cidade, tornou-me mais livre e passei a viver juntamente com meu irmão na companhia de papai, dos meus avós e do meu tio João.
Eu, aos nove anos, começava uma  nova experiência em  minha vida. Papai tinha comprado uma  grande casa e lembro-me que havia na entrada um bonito portão, um jardim com  muitas plantas e roseiras. Tudo isto protegido por um  grande muro que separava da estrada. O quintal era espaçoso e do fundo dele se podia contemplar o vasto vale do Tânaro que descortinava a visão até aos Alpes.
Desde quando ali cheguei, passei a considerar aquele lugarejo como  minha cidade, que até então se chamava São Martinho, mas que no final do século passaria a ser conhecida como São Martinho Alfieri, em  homenagem a  uma ilustre família que possuia um castelo bem no centro da cidade.
Meus avós eram muito bons para comigo e para com meu irmão. Papai era muito preocupado com  nossa saúde. Dentre boas recordações destes anos em São Martinho, não me esqueço dos pratos de talharim que a empregada nos preparava com carinho.
Como menino esperto e saudável, comecei fazer minhas amizades; aos poucos fui conhecendo o povo do lugar e é claro,  o caminho  para a escola e  para a Igreja, tornando-se assim o meu itinerário de todos os dias.

Dom José Marello, uma pérola escondida (Parte II - DE COROINHA AO SEMINÁRIO DE ASTI)

Parte II - DE  COROINHA AO SEMINÁRIO DE ASTI.
DOM JOSÉ  MARELLO
UMA PÉROLA ESCONDIDA
Pe. José Antônio Bertolin, OSJ.
Num daqueles dias ensolarados e gostosos das colinas são martinenses, enquanto ainda brincava com meu irmão, meu  pai chamou-me e disse:
- Filho, você já está grandinho e neste ano deverá frequentar a escola. Já providenciei tudo e posso até dizer que seu professor será o Pe. Silvestre Ponzo, você vai gostar muito dele.
O Pe. Ponzo, era natural de Castelnuovo Calcea, e  além de amigo dos alunos, sabia ensinar muito bem. Ele foi durante todo o primeiro grau o meu professor.
Naquele ano comecei frequentar a escola e  passei a gostar muito do Pe. Ponzo, tanto é verdade que quando terminei o curso, cheguei a escrever no meu caderno que conservo até hoje, estas  palavras sobre este meu primeiro professor:
"Nunca me esquecerei do amor e da bondade que o senhor sempre demonstrou. Eu o lembrarei todos os dias  com muito carinho, e gostaria de provar-lhe o  quanto sou-lhe grato e o quanto de afeto eu lhe tenho e terei para sempre."
Bem ambientado no grupo escolar, comecei distinguir-me dentre os meus companheiros pela minha inteligência e vivacidade  assim como  pelo empenho nos estudos, o que proporcionou-me uma superioridade dentre meus colegas, motivo este de muita alegria para meu  pai. Isto valeu-me este conselho:
- Meu filho, eu sei que na escola todos gostam muito de você, justamente porque você é educado, estudioso, bondoso e preocupado com todos. O Pe. Ponzo está muito contente com você. Eu quero que continues assim e o seu futuro será muito próspero.
- É verdade. Papai disse-me uma coisa muito certa, pensei comigo mesmo. Mas não farei disto motivo de orgulho ou vaidade. Ainda esta noite, agora que estou com dez anos, vou escrever com letras bem visíveis no meu caderno, este pensamento que passou pela minha cabeça:
"Um lampadário cheio de óleo brilhava e estava assoberbado pela sua própria luz, quase parecendo ser mais luminosa que a luz do sol. Mas de repente veio um vento e o apagou... Isto quer dizer que não podemos nos ensoberbecer pelas nossas qualidades."
O professor Pe. Ponzo, admirava e reconhecia as minhas qualidades, assim como também meu jovem pároco, Pe. João Batista Torchio, um sacerdote enamorado de Deus e um  verdadeiro pai para todos os paroquianos.
Comecei frequentar a paróquia com meu  pai e meus avós. Eu gostava de escutar as homilias de Pe. Torchio, e sempre tirava um tempinho após a missa para rezar com os olhos voltados para o sacrário.
Meu bom comportamento e a freqüência nas liturgias chamou a atenção de Pe. Torchio que logo convidou-me para ser coroinha. Passei então a ajudar e a servir ao altar,e contemporaneamente iniciei a  catequese em preparação à minha primeira comunhão. Isto fez com que eu intensificasse minha presença na paróquia, passando a participar da missa todos os dias.
Meu tirocínio de formação catequética continuará até o dia 15 de agosto de 1855, festa de Nossa Senhora da Assunção, quando acompanhado de outros 290 colegas, recebi a Crisma, pelas mãos de Dom Felipe Ártico.
Depois da festa paroquial e de uma  outra feita em casa, P. Torchio fez-me o convite para ser catequista dos menores. Radiante pelo convite, refleti sobre tal responsabilidade e disse a mim mesmo:
- Agora, que já estou crismado, tenho a obrigação de ser um pequeno apóstolo de Cristo. Devo levar os outros à Deus, ao  catecismo, à Igreja... Sim, esta já era a minha vontade e o Pe. Torchio intuiu o meu desejo. Embora eu  tenha ainda 11 anos ele achou-me capaz desta responsabilidade. Aceitarei o convite e procurarei fazer  o melhor possível.
Assim comecei minha nova tarefa. Preparava bem as lições sob a orientação de meu pároco e até cheguei a escrever em meu caderno de preparação ao catecismo uma tese sobre a existência de Deus,  onde descrevi um diálogo entre um jovem laureado que em nome da  ciência tentava negar a existência de Deus e uma criança do 3º ano escolar, que o questionava sobre quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha. E em base ao chamado  "princípio da causalidade", o jovem laureado foi forçado a admitir a existência de Deus.
Minha ocupação não compreendia apenas os assuntos relacionados à escola e à igreja, mas sentia meu coração sensível e inclinado para com  os pobres e os doentes.
Gostava de ajudá-los e visitá-los. Durante toda a minha  adolescência tive diante de meus olhos as cenas tristes da mendicância e ao procurar ajudá-los, sentia aquela minha atitude que estava diante de Jesus sofredor.
Lembro-me de uma cena que tocou de perto meu coração ainda adolescente:
- Um dia estava passando pelas ruas de São Martinho um pobre velho mendigo. Alguns de meus colegas, ao vê-lo, começaram a caçoar e rir dele. Ao ver isto, quase que por um impulso fui em sua defesa, conduzi-o até a minha casa, e dei-lhe comida e um pouco de roupas.
Mas não pensem que somente eu  fazia estes pequenos gestos de caridade. Eu  conheci outras pessoas que  faziam isto também. Lembro-me de um menino que todos os sábados levava um pouco de vinho a um velho doente. E ainda de um outro que ao invés de  querer um sanduiche pelo seu café  da manhã, pedia à sua mãe que lhe desse uma moeda cada dia, e assim, todos os domingos levava este dinheiro que economizava para um velhinho que comprava um pouco de  carne para o almoço do domingo. (1)
O exemplo da bondade e do coração generoso de José será depois, mais tarde confirmado pelo seu irmão Vittório:
- Meu irmão em casa era muito obediente ao nosso pai e  avós. Gostava do recolhimento, do silêncio e de ler bons livros.
Não era um menino de diversões e de sair de casa. Mas nunca se esquecia de ir logo pela manhã à missa e de rezar com devoção. Além do mais, era muito caritativo para com os pobres. Educado e inteligente, era sempre o primeiro da classe.
Tinha muitos colegas, e um deles, companheiro de classe, o recordará com estas palavras:
"José tinha uma boa índole, um  temperamento calmo e era tímido, mas sempre estava de bom humor. É simplesmente impossível exprimir com  palavras o tamanho de sua bondade.
Nas férias de 1856, eu tinha terminado de cursar o 1º grau e de  modo brilhante. Meu pai, orgulhoso pelo meu bom desempenho resolveu, premiar-me com uma viagem à cidade de Savona. Era a primeira vez que eu faria uma viagem considerada longa, assim como iria conhecer novos lugares e também o mar.
Em Savona passeei bastante e conheci vários lugares, mas particularmente dois destes marcaram profundamente a minha sensibilidade. Um deles foi o Palácio  episcopal onde o Papa Pio VII tinha sido prisioneiro de Napoleão. Ali meu pai explicou-me que o Papa tinha sido feito prisioneiro no dia 06 de julho de 1809 e depois de conduzido, diante do General Miolly, ficou durante 3 anos prisioneiro dos seus inimigos, sendo depois, deportado para a Fontanebleau. O outro lugar foi o Santuário de Nossa Senhora da Misericórdia, onde Nossa Senhora tinha aparecido para Antonio Botta no ano de 1536.
Estes dois lugares, marcaram-me de maneira especial. Deixaram-me vibrando de afeição pelo Papa e pela Igreja. Lembro-me que no Santuário, rezei ajoelhado diante da Imagem da Mãe de Deus. Fiz um longo e silencioso colóquio com ela. Não me lembro o que falei, só sei que meu pai já tinha visitado tudo e estava impaciente me esperando. Senti-me tomado e envolvido pela sua  proteção e ao mesmo tempo bateu forte dentro do meu coração uma voz, que dizia:  Devo ser um padre!
Papai, apressou-se em mostrar-me mais alguns lugares da cidade e depois juntos fomos até a estação ferroviária, pois já era hora de tomar o trem e voltar para São Martinho.
Porém, meu pai percebeu em mim algo de estranho,  talvez porque meu silêncio era mais forte e acentuado do que aquele a que comumente eu era acostumado. Porém não lhe disse nada. Foi só ao longo da viagem que enchi-me de coragem e disse-lhe que estava pensando seriamente de ingressar no seminário e seguir a carreira eclesiástica.
Estas minhas palavras foram uma ducha de água fria em cima do meu bondoso pai.
- Meu filho, eu nunca imaginei esta carreira para você. Sempre lhe vi como um perfeito modelo de comerciante, embora você não seja de falar muito. Eu vejo para você uma boa carreira para o comércio.
Não contestei as observações de papai, mas também não lhe dei esperanças de que um dia poderia ser um comerciante. O certo é que durante todas aquelas minhas férias de verão, não me fugia da  mente o  impelente desejo do chamado ao sacerdócio.
Precisava comunicar este meu desejo para alguém, além de meu  pai. Desejava abrir-me, aconselhar-me, decidir-me. Por isso, fui conversar com meu pároco, Pe. João Batista Torchio, e ele incentivou-me muito dizendo-me que eu tinha a vocação sacerdotal.
Depois do aconselhamento com Pe. Torchio, decidi-me  comunicar a papai que  resolvi ir, após às férias, para o Seminário de Asti. Ele sofreu com esta minha decisão, porém não se opôs e procurou providenciar tudo o que eu precisava para ser um seminarista. Com o sim de meu  pai, comecei preparar-me para a nova aventura, sempre com aquele firme pensamento: Eu serei um padre.
Enfim chegou o dia esperado; era 31 de outubro de 1856. Eu tinha meus 12 anos completos. De  malas nas mãos, fui cordialmente recebido pelos superiores do seminário de Asti. Logo, enturmei-me com outros seminaristas que como eu tinham o mesmo pensamento.
Minha primeira visita juntamente com os meus colegas foi ao nosso bispo Dom Felipe Ártico, um bondoso homem que desde 1849 estava em Castelo Di Camerano. Tinha sido vítima da perseguição implacável à igreja. Foi assim que eu comecei a minha caminhada de aspirante ao sacerdócio; diante de um mártir, vítima da perseguição por causa de Cristo.
Instalado no seminário,naquela mesma semana eu iniciava juntamente com outros 25 colegas de classe, as aulas. Tinha recebido o hábito religioso e também algumas instruções práticas do clérigo João Boeri, designado pelos superiores como responsável pelo grupo. Este, já no primeiro dia de aula  marcou duas notas para mim, uma pela aplicação aos estudos e a outra pelo meu comportamento. Pelas ambas,  recebi dez.
Eu tinha deixado o meu ambiente familiar, a minha liberdade das colinas de São Martinho, meus amigos e meu povo simples, mas sentia-me muito contente. Era um novo mundo  para mim, sentia o ambiente do seminário um pouco autero, afinal eu não estava acostumado com regulamentos e horário para tudo, mas não só era consciente, assim como  também informado de que tal procedimento era necessário para a condução, daquela centena de seminaristas que formavam o seminário.
Nosso responsável pelos estudos era o Cônego Carlos Vassallo, um padre de grande valor que dava muita importância para a formação humanística  filosófica dos seminaristas.
Embora eu sempre fosse aplicado nos estudos e assim permanecesse, os resultados do meu 1º ano escolar no seminário não foram dos melhores. Recebi apenas um dez em  disciplina e comportamento. É claro que contribui para esta baixa, um pouco de doença, que nos últimos meses, prejudicou-me nos estudos.
Meu 2º ano escolar, foi diferente e tudo melhorou. Sentia o seminário como minha casa e meus colegas como minha família. Meu rendimento escolar incluiu um dez em latim e  também em disciplina. Consegui fazer boas amizades entre os meus colegas, os quais passaram a me estimar e a me respeitar. Alguns dos quais como: Estevão Delaude, José Riccio e Tiago Gay, tornaram-se meus grandes amigos e compartilharam muito de minha vida e de meus sentimentos.
Acostumado à vida de seminário, sentia o dia a dia normal, os estudos, as missas e meditações todas as manhãs, a visita ao Santíssimo na capela, a reza diária do terço, o silêncio, os dias de retiro... Na verdade, sentia-me atraído para aquela vida, tinha um forte desejo de chegar a uma grande meta e por isso esforçava-me para ser bom e exemplar. Neste sentido, era-me de  grande ajuda a freqüência da confissão semanal e da direção espiritual com o Cônego Luiz Martini.
Eu tinha 14 anos quando o meu bispo Dom Felipe Ártico obteve o reconhecimento de sua inocência ainda em exílio. Mas o dedicado bispo já não tinha mais forças para continuar como pastor da diocese de Asti.
Por isso, pediu a renúncia do cargo e se retirou num mosteiro dos Camaldolenses em Roma.
Neste ponto de minha vida, eu conhecia bem a problemática disseminada pelos governantes de então. Os nomes de Cavour, Siccardi, Rattazzi e outros, eram bem conhecidos, e como filhos da revolução francesa sentiam-se no direito de pisar nas pessoas e instituições, particularmente na Igreja e tudo isso em nome da  "liberdade-igualdade e  fraternidade". Tanto o clero como as freiras eram desprezados, humilhados, perseguidos e roubados em seus direitos.
Este clima hostil e a prepotência de alguns de nossos políticos, chateavam-me muito e isto começou gerar uma certa confusão em minha cabeça. Mas mesmo assim ardia dentro de mim um fogo pela causa de Jesus que me motivava e me impulsionava  a continuar firme em meus propósitos.
Todo este fermento revolucionário em que eu vivia, assim como  os demais seminaristas,  trazia uma série de conseqüências em nossas vidas. Tinha apenas 15 anos quando diante deste absolutismo politiqueiro, Napoleão III, declarava guerra contra a Áustria, que teria como conseqüência o domínio do Piemonte sobre as regiões do norte da Itália. A guerra fez com que em Asti, assim como em outros lugares, muitos seminários fossem tomados pelas tropas para servirem de quartéis e hospitais e com isso, os seminaristas foram dispensados por alguns cantos da cidade ou enviados  para as suas famílias.
A guerra trouxe-nos sérias dores de cabeça. Eu bem me lembro que estávamos no mês de março de 1859, quando chegou o decreto de que a partir de então o nosso seminário se tornaria o 11º Regimento de Infantaria e depois de dois meses tornou-se também hospital militar.
A guerra expandiu-se cada vez mais sob  o  comando de Napoleão e a ação de seus soldados. Alguns de meus colegas embora contrariados tiveram que voltar para suas casas. Eu, ao invés, relutei a esta exigência e continuando firme no meu propósito, passei a morar junto com  uma boa família de Asti, e não obstante as dificuldades, continuei os meus estudos e terminei o ano escolar quase regularmente.
Terminado o ano escolar fui passar minhas férias em São Martinho, mas estava inquieto, pois preocupava-me muito a situação do meu seminário e de meus colegas, quase todos dispensados. A situação para o ano vindouro era certo que não modificaria. Meu seminário continuava ocupado pelos soldados e inclusive a Cúria Episcopal, visto que a sede diocesana  era vacante, tinha se  tornado em quartel general de administração militar.
Eu continuava ainda com meus 15 anos e no fim do mês de outubro de 1859, reiniciava os meus estudos em Asti, continuando como hóspede na mesma família. Junto comigo levei o relatório que o meu pároco, Pe. Torchio tinha  feito sobre a minha pessoa, durante o período que passei de férias. Era uma norma que os párocos enviassem um parecer sobre o comportamento dos seminaristas. Entreguei-o ao Pe.Vitaliano Sossi, visto que não tínhamos o bispo e continuaríamos a não tê-lo até 1867.
O relatório sobre o procedimento que o Pe.Torchio fez sobre mim não foi muito otimista, assim como de um outro meu colega. O clima que tínhamos vivido fora do seminário, a falta da vida comunitária e o ambiente não adequado para formação vivenciado naquele período antes das férias, tinha influenciado a nossa caminhada de até então. Meu pároco fazia notar ao diretor do seminário a minha indolência, sobretudo a minha pouca freqüência à  eucaristia.
Sinto muito, dizia o Pe. Torchio, de não poder dar-vos boas referências à vossa pessoa, sobre os dois seminaristas. Estes foram assíduos às  funções litúrgicas até a um certo ponto, mas  raramente eles receberam os sacramentos. Recomendo que peçais contas aos dois sobre a pouca freqüência aos sacramentos e espero que a vossa autorizadíssima voz os ajudará muito para o cumprimento do dever, despertando-os daquele estado acidioso que parece-me ser neles a pior coisa.
A carta do meu pároco foi certamente dura, mas meus superiores foram compreensíveis com aquele meu comportamento, afinal, durante quase todo o ano escolar transcorrido, eu não tinha tido mais a  normalidade da vida do seminário.
Compreendido e incentivado por meus superiores, iniciei o novo ano com muito empenho. Não titubeei nos estudos, passei a estudar e ler o latim desde Cícero até Horácio e naquele ano tive a nota máxima em quase todas as matérias, inclusive naquela do comportamento, embora eu não vivesse no seminário.
A esta altura eu já não era mais uma criança; tinha meus 17 anos e começava prevalecer em mim um efetivo interesse pelos estudos, assim como começava a ligar-me  mais com  os problemas da Itália, embora o meu ideal, o sacerdócio, eu o tinha límpido e cristalino diante de meus olhos.
Interessava-me pela retórica e comecei a sentir um  grande prazer em escrever poesias. Sobre os meus cadernos começaram a aparecer em forma desordenada às vezes uma dedicatória à Pátria, outras vezes uma poesia ou algumas frases que depois eu as rabisquei,  tais como esta que dizia: "As coisas da Itália não irão bem sem a participação do sabio Marello." Entre as páginas de alguns de meus cadernos, desenhei também o Rei Vittório e Garibaldi, os quais ocupavam um  lugar de destaque na sociedade e influenciavam muitos jovens.
A ausência de um  bispo para Asti, deixava a diocese desgovernada, e com  isso ocasionava uma certa divisão no clero. Além do mais, em seguida, veio a faltar o Reitor do Seminário e com  os seminaristas que voltaram de suas famílias, espalhados pela cidade, apareceram  mais dificuldades. Por isso, o Pe. Sossi responsável pela diocese, sentiu a necessidade de no início deste mesmo ano de 1860, pedir a ajuda de Dom Bosco para assumir a formação de alguns seminaristas. E Dom Bosco prontamente assumiu vinte seminaristas em seu oratório de Valdocco, mas eu não fiz parte deste grupo, pois tinha sido promovido  ao 1º ano de Filosofia, saltando um ano de estudos.
Aquele meu primeiro ano de Filosofia, trouxe-me o conhecimento de novos professores. Empenhei-me muito nos estudos, logo naquele início de ano. Lembro-me que fiz um trabalho filosófico escrito em latim sobre a ligação que deve existir  entre a razão e a divina revelação. Foi um raciocínio onde eu afirmava que o homem quando nasce, traz consigo uma luz que lhe faz penetrar as coisas do mundo e pode conhecer as coisas criadas, mas não vai além disso. Mas para chegar até Deus, o homem só poderá através da fé em Jesus Cristo. A conclusão que eu  tirei neste meu raciocínio é que a luz da razão e aquela da fé provém de Deus. Portanto, para não se admitir contradição em Deus, é preciso que a razão e a revelação sejam contrastantes, mas que haja entre ambas um conúbio.
Naturalmente a elaboração deste meu trabalho exigiu de minha  parte muita pesquisa desde os filósofos Kant, Fichte até Hegel. Fui elogiado pelo meu trabalho e é claro que tudo isto me enaltecia, mas bem lá no fundo, algo me preocupava, pois percebia que a razão começava a  prevalecer, enquanto que a fé parecia que aos poucos estava se enfraquecendo dentro do meu coração.
Terminei aquele ano sendo o primeiro da classe e logo em seguida fui de férias para São Martinho, era a metade do mês de junho de 1861.
Pela primeira vez, não me sentia bem comigo mesmo, fazendo com que aquelas férias fossem horríveis. Já não me sentia mais um apaixonado por Deus como era antes. Interiormente me sentia perturbado, triste e desencorajado.
Finalmente chegou o momento de voltar para o seminário; muito embora  desmotivado voltei e tive forças para recomeçar os estudos enquanto continuava morando na casa daquela boa família que me hospedava, visto que o nosso seminário continuava ainda nas mãos dos militares. Devido à  instabilidade, alguns dos seminaristas tinham ficado em suas casas naquele ano. Por minha sorte, meus grandes amigos, Delaude, Motta,  Vespa e Riccio, ajudaram-me  a manter  meu ânimo.
Em Asti recomeçava portanto, mais um ano de estudos. Seriedade e empenho para estudar não me faltou, tanto é verdade que tive melhores resultados que nos anos anteriores. Mas isto não era tudo, eu compartilhava todos os dias a oposição ferrenha à igreja particularmente por parte dos maçons, dos liberais e dos  radicais, e isto me preocupava. Neste contexto,  tantos os sacerdotes como  os bispos e o próprio Papa Pio IX, eram vistos e tidos como inimigos da Itália. Por outro lado a conduta do clero não era sempre exemplar. Alguns eram expulsos de suas províncias e davam maus exemplos. Então eu me perguntava: Como será a minha vida amanhã em meio de todas estas contrariedades? Será que valerá a pena ser padre, quando muitos do clero não eram exemplares?
Diante deste emaranhado de confusão e questionamentos, uma idéia começou atormentar-me continuamente: Ser um jornalista, um líder do povo, ou ao menos ser algo que caracterizasse um empenho forte no mundo. Eu que sempre tinha sido sincero comigo mesmo chegava à conclusão naquela encruzilhada da minha vida, que tornar-se padre daquela maneira e naquele contexto não valia a pena. Era portanto, melhor ser um bom cristão dentro do mundo.
Terminei aquele ano atormentado por este  pensamento sem manifestar muito minhas apreensões, talvez porque era tímido ou porque tinha receio de expor-me. Mas ao voltar a casa de férias, confidenciei tudo ao meu pai. Ele ouviu-me atentamente e depois aconselhou-me a ir  experimentar minha vida fora, buscando outros caminhos para a minha realização.
Todo aquele  período de férias, a exemplo do ano anterior, foi muito difícil para mim. Questionava-me, escrevia aos meus amigos, rezava, mas não como antes e com aquele fervor. Era a minha crise.

Dom José Marello, uma pérola escondida (Parte III - DO "SALTO DO RUBICÃO")


Parte III - DO "SALTO DO  RUBICÃO"

DOM JOSÉ  MARELLO
UMA PÉROLA ESCONDIDA
Pe. José Antônio Bertolin, OSJ.
- Prevaleceu em mim a idéia de não  mais voltar ao seminário, e assim, ajudado pelo meu pai fui morar em Turim, junto com  uma família conhecida. Era o início do ano escolar de 1862. Agora já com meus 18 anos,  encontrava-me na grande cidade de Turim. Matriculei-me  numa escola técnica para o curso de agrimensor com este curso uma vez concluído eu teria a possibilidade de ser um profissional do  ramo. Deixava, assim e nem sei o porquê, a Filosofia, a Literatura Latina, e Italiana que tanto me fascinava e mergulhava totalmente na matemática e no desenho. Para este curso, eu tinha o apoio do engenheiro Luiz Bechis, um amigo de minha família.
Lembro-me que uma das minhas tarefas que executei dentro do novo curso, foi o desenho, um mapa de uma estrada que deveria coligar São Martinho com São Domiano D'Asti (2)
Dentro da nova realidade, tudo dava a entender que eu tinha encontrado o meu lugar, sentia que agora sim eu seria "alguém". Chegaria a uma profissão importante e além do mais, meu pai estava contente comigo.
Corrigir a rota da minha vida parecia-me muito importante, tanto é verdade que eu denominei aquela minha tomada de posição como o "Salto do Rubicão", uma guinada que parecia não ter mais retorno.
Mas bem logo a realidade que parecia um vislumbrar brilhante para a minha vida, começou tornar-se nua e crua. Percebi que o mundo que me circundava era cruel. Que a cidade estava infestada de idéias burguesas liberais e conduzida por um pensamento Laico-Iluminista, que pretendia uma sociedade sem Deus, sem a interferência da igreja, mas sim guiada apenas pela razão, acavalada numa religião natural, absolutizando na terra  o homem como o único protagonista, e portanto, excluindo por completo Deus que deveria ficar enclausurado nas nuvens do céu.
Todo este pluralismo e confusão de idéias era defendido por alguns intelectuais e pelos políticos de então. Nos jornais, as palavras de ordem era liberdade, modernidade, progresso, filantropia e humanismo.Tudo belas idéias, mas como? Faltava Deus!
Jovem entusiasmado com o amanhã e contaminado pelo ambiente eclético-ateístico Torinense, levei para frente minha idéia de um novo futuro. Por isso, minha nova experiência levou-me a frequentar os "meetings" das lojas maçônica, as amizades políticas dentro daquele ambiente de ceticismo. E o pior, deixando de ser para Deus, comecei a viver para um ídolo de carne e depois para um outro ídolo bem mais ciumento e exigente: a ambição. As sedutoras perspectivas e as meigas promessas desta enganadora divindade tinham-me aferrado de uma certa maneira que eu não podia pensar em outra coisa a não ser o que eu cunhei de "apostolado humanitário".
Neste ambiente podre, o prazer sensual imperava, a concupiscência convivia livremente no meio da  juventude, e com isso o estímulo aos prazeres da carne.
Tudo isto eu vivi e senti, e deste clima eu respirei, mas eu tinha consciência que no fundo do meu coração a razão pela qual eu ali me encontrava era por este ídolo da ambição e isto feria-me, angustiava-me e incomodava-me tanto que cada vez eu sentia-me mais triste.
O ambiente em que eu vivia não me deixava contente e questionava-me. Na verdade, eu me sentia mesmo como um peixe  fora da água, e por isso mesmo, mantinha-me  distante de tudo aquilo que podia manchar a minha alma. Todos estes perigos, assustavam-me muito; eu não era a pessoa adequada para aquela realidade.
Diante deste ambiente impróprio, meu passado não saia da mente, particularmente veio-me com insistência a figura materna de Maria, aquela que tinha anos atrás iluminado  a minha vocação, para o sacerdócio e  também me conduzido durante a minha infância. Meu estado de ânimo era outro, perceptível sobretudo pela minha tristeza que embora tentasse esconder, ficava estampada em meu rosto. Constatando tudo isto em mim, veio-me ao encontro o amigo engenheiro Bechis que bondosamente aconselhou-me dizendo:
- José, volte para o seminário. Tenho certeza de que lá você encontrará serenidade. Estou convencido de que você não é feito para este mundo; a sua vocação e para ser  padre.
Escutei-o com atenção, mas entretanto continuava ainda persistindo no meu intento. Mais um pouco, e um ano que eu teria passado dentro daquele ambiente Torinense, quando em dezembro de 1863, todos os meus sonhos de construir uma nova sociedade começavam efetivamente desaparecer como uma fumaça nos ares. Repentinamente, via-me imóvel, em cima de uma cama afetado pela febre tifóide e ali percebi que minha vida corria perigo seriamente. A febre me queimava e eu delirava. Sentia  que aos poucos minha vida estava definhando. Não sei bem como explicar, mas alucinado pela febre, estampava-se diante de mim uma imagem tênue, onde parecia eu  estava vendo uma batina. Estava ainda lúcido, e interpretei que semelhante cena era um aviso de Deus, e sem muito esperar invoquei com todas as forças do meu coração a proteção da Virgem Maria, e um outro sinal, e assim quero interpelar, questionou-me mais, pois senti naquele momento bem no meu íntimo que a Virgem, dizia-me para voltar para o seminário e só assim eu ficaria curado, caso contrário nada restava, só morrer.
Durante todo este período de minha doença, meu pai sofria e estava sempre ao meu lado, aflito e procurando fazer tudo que estivesse no seu alcance para que eu sarasse. Não consegui reter somente para mim tudo o que estava se passando no meu interior, nem mesmo a visão premonitora que tive. Por isso, dirigindo-me a ele, meu pai, com a vóz fraca e emociado disse-lhe:
- Papai, o senhor pode não acreditar, mas eu só ficarei curado se voltar para o seminário e retomar a minha vocação, que abandonei.
Aquele foi um dos momentos inesquecíveis de minha vida, pois vi meu pai emocionado e derramando suas lágrimas sobre o meu rosto, dizer-me imediatamente:
- Se é assim meu filho, volte hoje mesmo ao seminário, contanto que você  fique curado.
As palavras de meu pai, ressoaram-me como um bálsamo, pois a doença tinha me transformado, brilhando os meus olhos para o engôdo das vaidades que eu estava cultivando até então. Minha cura foi imediata e tão logo sentia-me bem, apressei-me voltar para São Martinho e ali, logo depois de alguns dias de repouso, no dia 09 de janeiro de 1864, diante do altar da Igreja paroquial e junto com a Assembléia litúrgica, meu pároco Pe. Tórchio, revestia-me para sempre com a veste religiosa. Tudo o que eu tinha passado, minhas pretensões desalineadas, tinha sido uma forte lição para mim, mas feliz daquele que passou pelos perigos dos vagalhões e conseguiu voltar à praia .
Totalmente recuperado da saúde e sentindo-me bem comigo mesmo, regressei ao seminário, ou melhor, fui destinado à Cúria Episcopal, porque o seminário estava ocupado pelas tropas militares. Era o dia 09 de fevereiro de 1864. As aulas já tinham sido iniciadas há alguns meses, e para mim era um desafio o estudo, pois precisava recuperar o  tempo perdido. Ao chegar para retomar a nova vida, fui muito bem recebido pelos meus superiores e pelos meus colegas. Nunca me esqueci das palavras de Pe. Sossi ao meu regresso - "Para você Marello, as  portas do seminário estão escancaradas! "
Reencontrei muitos dos meus amigos e firme, recomecei meu primeiro ano de teologia. Como afirmei, tive que estudar muito, pois tinha perdido três meses do ano escolar, mesmo assim, minhas notas foram brilhantes.
É indispensável dizer que depois da experiência em Turim, uma das coisas que eu mais procurei recuperar imediatamente foi a direção espiritual e me propus encontrar-me duas vezes por mês com o Cônego Martini.
Desenvolvi também a partir de então uma profunda e sincera amizade com meus amigos, particularmente com Delaude, Riccio, Rossetti e Motta. Com estes eu  passei muitas vezes, alguns dias de férias em conjunto e os hospedava em minha casa em São Martinho. Com eles eu manterei uma intensa e sincera amizade.
Para mim era o início de uma nova etapa, para a minha vida. A esta altura eu já era um jovem de 20 anos e estava seguro de que tinha encontrado o caminho certo na vida, pois Deus tinha feito vingar, aquela sementinha que um dia ele em mim plantara, para tornar-me um seu ministro.
Sentia-me muito bem protegido dentro do novo ambiente, mas a fúria dos iluministas, dos racionalistas, dos maçons e de todos aqueles "modernos", que entendiam modernidade como afirmação absoluta do homem, continuava castigando o Papa e toda a Igreja. As arbitrariedades do Estado atingiram até o novo seminário, acusando-o de mau exemplo de funcionamento na formação científica e literária. Acusaram-nos também de propagadores de idéias anti-nacionalistas. Felizmente o Pe. Sossi soube responder toda esta oposição ferrenha com muita capacidade e à altura calando assim a boca destes inimigos.
Convivendo neste clima e escaldado por tudo aquilo que tinha visto, ouvido e participado pouco tempo antes em Turim, sentia cada vez mais em meu coração que a única coisa que realmente valia a pena, era dedicar toda a minha vida pela causa de Cristo e de sua Igreja.
Para mim o estudo teológico era mais do que um exercício da razão, era vida, mesmo porque sentia-me bem alimentado por uma sólida instrução teológica e ancorado em bons teólogos assim como iluminado nos escritos dos grandes santos como São Francisco de Sales e outros reconhecidos expoentes.
Para mim o importante dali em diante era coordenar todos os meus pensamentos, todos os meus afetos, todas as minhas potencialidades em uma idéia fixa, viver naquela idéia, exaltar-me, sublimar-me e multiplicar-me naquela idéia ( C 9) . E esta idéia fixa era Jesus Cristo. Era tornar-se um seu ministro, um seu prolongamento no mundo.
Meus anos de estudos teológicos foram muito ricos, pois proporcionaram-me conhecer os textos mais abalizados e autorizados do pensamento católico, colocando-me consequentemente na escola dos grandes pensares que iluminavam a Europa com a luz da inteligência e da fé.
Posso dizer que ruminei os pensamentos de Pascalo , que tinha um estilo literário que me fascinava. Do escritor Chateaubriand eu fui um apaixonado e li com muito entusiasmo sua obra."Os Mártires do Cristianismo", este era um escritor que criava pistas para se viver o catolicismo naquela cultura devastada e sem Deus. Manzoni, o grande escritor Lombardo, com sua obra "I Promessi Sposi", me fazia sentir Deus como guia da história e dos homens.
Que diferença se delineava no meu pensamento nesta nova etapa em relação à passada! Pois durante os meus estudos em Turim eu bebia Gerolomo Boccardo, particularmente o seu "Tratado Teórico e prático de política Econômica", que induzia-me ver e crer a busca das certezas para a vida e para toda existência na astronomia, na medicina, na física e na economia, banindo assim toda a segurança da filosofia e mais ainda, na teologia.
Na verdade, foram estes os erros fundamentais que o Papa Pio IX condenou no "Sillabo"aos 08 de dezembro de 1864.
Ciente de tudo isso, joguei-me de corpo e alma no Tonismo, naquela síntese maravilhosa da melhor sabedoria Socrático, Aristotética. iluminada pela revelação divina. Seu eu era capaz de manter um raciocínio com síntese e análise, com introdução e analogia, era justamente graças a estes bons livros que me conduziam.
Havia em mim um  grande desejo de conhecer, estudar e aprofundar-me, mas queria que tudo isso fosse depois esteio para minha missão. Por isso, eu estava certo de que não bastavam os estudos, o contato com as obras dos grandes pensadores católicos. Era preciso na minha preparação ficar atento a tudo aquilo que o fermento católico  de então, através de grandes homens, promovia no seio da Igreja. Por isso, propus-me pessoalmente seguir conforme podia todos estes valores latentes, e segui com atenção a 3ª Conferência de Notre-Dame, organizada por Félix Dupanloup no ano de 1867 na cidade de Malines, na Bélgica, cuja finalidade era definir os objetivos da ação católica que começava dar seus primeiros passos, colocando os leigos como testemunhas de Cristo no  trabalho, nas escolas, nas  tarefas políticas e sociais. Já no ano seguinte, uma nova oportunidade, pois Dom Doutreloux, bispo de Liège, organizou o "Congresso das Obras Católicas" para orientar na formação de um laicato forte e atuante na Igreja e na sociedade. Eu estava com meus 23 anos e segui atentamente todas as crônicas e informações de Malines e de Liège.
Passada assim de uma maneira bastante pormenorizada em minha mente aquela diversidade absoluta que reinava em nossos dias entre a revolução daqueles que pretendiam banir Deus e a renovação com Deus que construia e  salvava.
 Senti meu coração dolorido quando deparei-me com a  realidade de que entre as onze proposições de Garibaldi no Congresso de Genebra, estavam aquelas da supressão do papado e a substituição do sacerdócio católico pelo sacerdócio da inteligência ou não sei se por ironia da ignorância.
A Bíblia era para mim a fonte que nutria diariamente a minha vida e colocava-me em comunhão com Deus. Todos os dias eu lia e a meditava, pois era a fonte inexaurível da verdade. Ao mesmo tempo, tornei-me ávido leitor de livros de espiritualidade, particularmente da vida dos santos. Nestes eu encontrava um estilo para agir e viver. Posso dizer que li com  prazer Santa Mônica, mãe de Santo Agostinho, Santa Joana de Chantal Co-Fundadora com São Francisco de Sales das  irmãs da Visitação, Santa Margarida Maria Alacoque. Também Lacordaice fez parte da  galeria dos meus escritores prediletos. Dele li com muito afeto "As Conferências sobre o Cristianismo", onde demonstra com toda propriedade a beleza e a verdade contida com Jesus Cristo.
Ao longo de 3 anos eu fui me moldando e me iluminando com a presença amiga destes escritores. Tomei o gosto pela leitura, coisa que fazia diariamente, e com isto eu recebi um vasto material sobre o qual depois me  debruçava para examinar as chagas daquela minha sociedade. Pensei até em publicar um  livro sobre tudo isto, com a  pretensão de ler a história com todos os seus problemas à luz de Cristo, demonstrando que sem ele o mundo não se sustenta, mas desmorona-se totalmente. Este seria a meu ver uma obra Apologética. Meu desejo, porém não se concretizou, um pouco devido às dificuldades, outro porque achei que seria melhor continuar lendo, meditando e aprofundando as obras dos  grandes luminares cristãos de então.
O tempo corria veloz e meus anos de estudos, já se delineavam para o fim, A este ponto adquirido uma boa experiência de vida em comunidade e uma certa maturidade, a ponto de  meus superiores confiarem-me o encargo de assistente dos clérigos de Filosofia. Tornei-me dali em diante o guia dos meus colegas mais jovens, incentivando-os e sobretudo ajudando-os nas dificuldades. Foi uma ótima experiência, pois os clérigos gostavam muito do meu jeito de tratá-los e inclusive me admiravam. Talvez porque quando devia fazer-lhes alguma correção, sempre procurava fazê-la de  maneira dócil e persuasiva.
Este  primeiro encargo que eu recebia no seminário proporcionou-me também a possibilidade de ajudar financeiramente aqueles seminaristas pobres. Por isso, quando meu pai vinha visitar-me eu sempre lhe pedia um pouco de dinheiro para ajudar  os mais necessitados. Lembro-me que meu pai de coração sempre bondoso, nunca me deixava sem  nada, mas às vezes ele deixava escapar esta expressão:
- José, José, todas as vezes que venho aqui em seu seminário, você esvazia os meus bolsos.
Passei a ter com estes amigos um relacionamento mais contínuo: divertia-me com eles durante os recreios e fazíamos muitas coisas interessantes dentro do seminário, inclusive criamos um  jornalzinho que reportava a vida e os acontecimentos do seminário. Naturalmente eu incentivava que cada um deles escrevesse algo como a matéria desta nossa pequena publicação interna, mas nunca consegui me safar da primeira página que era sempre desenhada e portanto, sob a minha responsabilidade.
Minhas férias antes do meu quinto e último ano de Teologia, foram bastante agitadas e passei quase o tempo todo fora de São Martinho, ao contrário do que eu fazia sempre. Nestas, ajudei na preparação da liturgia da missa pontifical do novo bispo de Asti, Dom Carlos Savio, o qual  não o conhecia, mas logo ao vê-lo minha primeira impressão foi de que era um santo. Depois disto, fiquei muito envolvido na preparação do casamento de meu irmão Vittório com Luzia. Foram vários dias de preocupação, pois quase tudo ficou nas minhas costas, inclusive acompanhei meu pai já sexagenário, para fazer todas as compras da festa em Turim. Mesmo em Turim, aproveitei  para visitar com meu amigo Rossetti o oratório de Dom Bosco e várias Igrejas, dentre as quais o Santurário de Nossa Senhora Auxiliadora, depois fui até ao cemitério para levar um ramalhete de flores e rezar  um pouco no túmulo de minha mãe.
Com isso, as férias passaram como um relâmpago. Assim voltava novamente ao seminário, disposto a vivenciar meus últimos meses de preparação rumo ao sacerdócio. Formávamos uma classe de onze clérigos, dentre os quais estavam meus grandes amigos, Delaude, Riccio, Motta e Rossetti. Sendo meus últimos meses de seminário, propus-me orientar todas as  minhas forças para Deus. Comecei examinar sinceramente minha consciência e ao mesmo tempo fiz um forte propósito de cumprir tudo aquilo que tinha colocado por escrito numa folha como se fosse um "Regulamento de Vida", que contemplava logo ao levantar-me. Dirigir meu  primeiro  pensamento do dia para Deus, depois de combater todas as distrações durante as orações, impondo-me um rigoroso silêncio na mente e no coração. Propunha-me também de  aproveitar no máximo o meu tempo em todas as circunstâncias, inclusive nos momentos de estudo. Comprometendo-me de igual modo a exercitar na virtude da temperança e  na mortificação. A noite, antes de dormir de fazer um rigoroso exame de consciência e rezar o "miserere", invocar a Santíssima Virgem Maria, aos anjos e santos e dentre estes São José. A Eucaristia devia ter um lugar de destaque, assim como a Palavra de Deus. Eu via na  Eucaristia, o ponto de minha transfiguração, onde Jesus Cristo, tornava-se o coeficiente infinito do meu ser.
Posso dizer que eu caminhava e caminhava a passos largos em direção daquele assustador dia de minha ordenação sacerdotal. Pedia portanto, que Deus inspirasse-me bons propósitos e me guiasse para que eu não me tornasse um guerreiro inápto. Não fugia do meu pensamento a idéia de que pobre seria aquele que pretendesse assumir o sacerdócio sem a força do Espírito Santo.
Firme nos meus propósitos, dava um  grande passo em direção a meta fixada, quando no dia 06 de julho recebia o diaconato, e em seguida encerrava o meu tirocínio de estudos no dia 26 do mesmo mês com notas "Dez" em todas as matérias. Contente como uma criança, ao invés de ir de férias como fazia todos os anos, resolvi permanecer o seminário preparando-me mais intensamente para o sacerdócio. Neste interim, soube que o Pe. Antonio Binelli, assim como o Pe. José Serrataice foram pedir ao Bispo Dom  Sávio para ter-me como vigário paroquial, mas o bispo respondeu-lhes que isto não era possível, pois eu devia ocupar outro encargo. De fato, um dia antes de minha ordenação sacerdotal, Dom Sávio chamou-me e disse-me que tinha escolhido  a mim como seu secretário e que eu já devia preparar-me para acompanhá-lo a  Roma, pela realização do Concílio Vaticano I. Naturalmente fiquei confuso diante de semelhante destinação que não me passava pela cabeça, mas  era o primeiro pedido de meu bispo e não podia nem objetar. Por isso, aceitei.
Finalmente chegou aquele que para mim eu o tive como "o grande dia", o dia de minha ordenação sacerdotal.
Era 19 de setembro de 1868; naquele sábado, os sinos da Catedral, acordaram-me festivalmente. Chegada a hora, a Catedral estava repleta de fiéis, dos parentes dos onze que seriam ordenados, dentre os quais dos meus que compareceram em massa. Dentro daquela igreja vibrava um coro uníssimo de orações e cantos solenes. Era muita "adrenalina"para um  homem, por isso emocionei-me, chorei, lembrei em curtos espaços de tempo do meu passado. Acompanhei a solene liturgia com muita atenção, mas dela pouco posso lembrar. Em minha mente vem hoje meu gesto emocionado de prostar-me por terra no  piso coberto por um  tapete da  Catedral e o gesto da imposição das mãos de Dom Sávio e dos concelebrantes em  minha cabeça. Finalmente tornava-me sacerdote e  para sempre. Eu seria a partir de então definitivamente um representante de Cristo aqui na  terra. Tinha alcançado a meta, e vencido as  barreiras e  dificuldades que acompanharam a minha caminhada, uma vitória graças sobretudo à bondade infinita de Deus e à maternal  proteção da Virgem Mãe do sumo sacerdote Jesus.
O dia seguinte, após a minha ordenação era domingo, por isso meu primeiro compromisso foi celebrar minha primeira missa em São Martinho. O clima era agradável o panorama visual digno de um cartão postal, pois todas as  colinas que rodeavam minha pequena cidade estavam coloridas e  refletiam nos olhos um tom róseo-vinho pela colheita das uvas. O  céu era radiante de luz e começava o outono, mas para mim era meu primeiro dia de primavera.
Diante de minha gente que participou em massa, e assistido pelo meu bom pároco, Pe. Torchio, celebrei solenemente minha primeira missa. Eu  tinha então 24 anos e com minha vóz ainda trêmula pronunciava pela primeira vez diante do pão e do vinho as admiráveis palavras de Jesus: "Tomai e comei, isto é o meu corpo oferecido por vós, fazei isto em memória de  mim. Tomai e bebei, este é o meu sangue da nova  e eterna aliança..."
Pão e vinho por mim consagrados e depois distribuídos para o meu povo. Fiz minha primeira homilia, agradecendo o dom que Ele me havia concedido, agradeci também todos os que tinham me ajudado a chegar até aquele patamar. Como lembrança deste grande agradecimento em minha vida, distribuí para todos um "santinho", onde no verso estava impressa a frase : "Meu amigo em Cristo, aceite esta lembrança do mais lindo dia de sua vida que lhe oferece o neo-sacerdote Pe. José Marello, na ocasião de sua primeira Missa",   e sem dúvida  era  realmente.
Após a missa solene recebi com carinho e paciência todos os cumprimentos e  parabéns de uma multidão que se amontoava para beijar-me as mãos e abraçarem-me. Minha família organizou uma bonita festa em minha casa, além dos  parentes, muitos convidados amigos estiveram presentes.
No dia seguinte meu primeiro compromisso foi celebrar minha segunda missa no Santuário "Del Vallone", dedicado a nossa Senhora da Misericórdia; este pequeno Santuário ficava bem próximo de minha casa. Aquele lugar era-me muito familiar, pois ali eu tinha ido muitas vezes quando era ainda um menino para rezar aos pés de Nossa Senhora. Naquele dia como sacerdote fiz um agradecimento especial à Maria, sobretudo por ter ela me protegido e amparado ao longo dos meus anos de infância e juventude, pedi-lhe ao mesmo tempo que continuasse concedendo-me muitas graças para desenvolver um verdadeiro e santo ministério. A ela eu confiava o meu sacerdócio.
No dia seguinte, festa de São Maurício, um antigo mártir romano,  sacrificado nos arredores de Turim, fiz um firme propósito por escrito: "No dia de São Maurício, diante do Senhor, prometo destacar-me das coisas deste mundo". Um propósito simples, mas eu senti que não podia fazer um outro diferente, pois afinal, eu tinha sido chamado para deixar tudo justamente para seguir Jesus Cristo, e agora somente a ele eu  pertencia.
Passei assim alguns dias de férias como jovem sacerdote junto dos meus familiares, voltando em seguida para Asti, onde Dom Sávio esperava-me como seu secretário, era o dia 21 de outubro de 1868. Logo que comecei saborear o novo  trabalho, escrevi a meu pai contando-lhe sobre minha nova vida e de que estava muito contente, particularmente pelo bom humor, pela espontaneidade e santidade de Dom Sávio. Para alegrar ainda mais o meu pai, disse-lhe que agora estava morando num palácio episcopal.
  Entre meu bispo e eu, iniciou-se uma afinidade de pensamentos e sentimentos que foi crescendo sempre mais. Passamos a condividir dia  a dia nossa existência, onde rezávamos,  trabalhávamos e viajávamos juntos. Esta convivência foi-me muito benéfica, pois  com ele eu aprendi muito, porque eu o via como um homem culto, bondoso e alegre em todas as circunstâncias. Era um verdadeiro pai para os seus sacerdotes, mantinha sempre as portas da Cúria abertas para recebê-los, ajudá-los, não apenas como seus sábios conselhos, mas inclusive com dinheiro. Por isso, a Cúria Episcopal vivia todos os dias com  grande afluência de cônegos, párocos e gente do povo, reforçando sempre mais o liame de amizade.
Ficou guardada na minha mente a  dedicação e a atenção especial aos seus seminaristas, assim como destaque para incremento das vocações em sua diocese. Por isso, ele não deixava de frequentemente fazer uma visita ao seminário, onde sempre dirigia uma palavra sábia aos seminaristas.
Como secretário do Bispo,  trabalho não me faltava. Uma de minhas primeiras tarefas foi justamente acompanhá-lo em Turim, onde permanecemos uma semana . Foram dias  muito importantes para mim, pois em sua companhia, tive a  oportunidade de conhecer grandes homens da Igreja Torinense, dentre estes destaco Dom Bosco, Murialdo, Anglésio, Bertagna, Carpignano  e muitos outros. Foi uma experiência forte para mim jovem sacerdote. Por isso, logo em seguida escrevi ao meu amigo Delaude expressando minha admiração, onde  dizia-lhe que a Igreja possuia ainda tantos recursos que era capaz de  fazer tremer os seus inimigos.
 Aliás, por falar em amigo, meus bons amigos de seminário que também tinham sido ordenados comigo receberam diferentes destinações, todos foram designados vigários paroquiais. Riccio foi trabalhar em Costiglione D' Asti, Delaude foi  para Castell'Alfero, Motta  para Viarige, Rossetti foi para Cortarze, Faggiani dirigiu-se para Frinco e Vespa para Castelnuovo Calcea. Todos nós ficamos espalhados, mas eu continuei mantendo com eles nossa velha e bonita amizade. Existia uma frequência de correspondência, e nos ajudávamos reciprocamente.
Meus colegas jovens sacerdotes, estavam imersos no Apostolado e eu ao invés, sentia-me mais um burocrata, mas  que fazer? Meu ímpeto juvenil para o apostolado, para criar coisas novas na Igreja tinha sido substituído por um trabalho de escrivaninha. Logo descobri que cada um devia trabalhar com intensidade onde Deus propunha , eu devia florir e frutificar ali, onde  Deus por enquanto tinha-me plantado. Além do mais, logo percebi e efetivamente descobri que naqueles nossos dias a oração tornou-se o maior e  o mais poderoso dos apostolados.Sentia que cada um devia plantar, regar, segundo o desígnio de Deus, mas sobretudo era preciso ter os olhos fixos no  grande Astro Divino de onde provinha todo o bem .
Os primeiros meses de sacerdócio tão velozes que quase não percebi: transcorrê-los e já estávamos na quaresma. Dom Sávio, aproveitando o tempo oportuno escreveu sua primeira carta pastoral para sua diocese sobre a educação cristã da juventude. No ano seguinte ele escreveu outra sobre a santificação das festas de preceito e ainda recomendava a catequese para a juventude. O apelo de Dom Sávio para preocupar-se com a formação da juventude, tocou-me  de perto, assim imediatamente encontrei um  tempo e pus-me a promover a catequese na diocese.
Com  um espírito inovador, pensava que a catequese devia ser enriquecida com outros elementos, além daqueles convencionais já conhecidos. Por isso empenhei-me em encontrar subsídios e à medida que os encontrava, passava a enviar aos párocos, livros, santinhos, opúsculos, etc. para serem difundidos entre  os jovens. Sugeri também que cada paróquia organizasse uma pequena biblioteca, assim também como salas de leituras, encontros formativos para  os jovens. Busquei subsídios do oratório de Dom Bosco e de outros lugares e quase sempre paguei tudo do meu próprio bolso. Além disso, como secretário eu escrevia muito aos párocos, sempre incentivando-os no empenho da formação da juventude e também na promoção da boa imprensa.
A catequese para a juventude como um meio forte de  evangelização me fascinava muito, por isso, a partir da  quaresma de 1869 comecei  também  ensinar catecismo para os jovens, três vezes durante a semana. O grupo formado era composto de aproximadamente vinte jovens com um grau de instrução bem variado, desde aqueles que ainda não sabiam ler ou escrever, até aqueles que já tinham frequentado alguns anos de escola. Eram jovens muito dóceis e atentos a tudo o que eu lhes ensinava.
Sentia-me muito feliz, pois era esta a missão do padre: fazer conhecer, amar e praticar a doutrina de Cristo. Era minha convicção de que devíamos ter o catecismo nas  mãos, este livro por excelência, detentor da verdade, de um conselho e  de um ensinamento para todos.Nesta ocasião eu escrevi uma carta a Delaude dizendo-lhe que o catecismo ensinava a arte de governar aos reis, traçava ao povo os  princípios da igualdade, da liberdade, fornecia os critérios da legislação ao poder, regulava a administração dos bens públicos... Sim,  para mim o catecismo era o regulador da sociedade justa e fraterna, do temor a Deus e do amor à Igreja.
Minha preocupação, embora não trabalhasse diretamente na pastoral, não era somente com a juventude abandonada e negligenciada, caluniada e muitas vezes duramente julgada em sua leviandade. Sentia-me também  no dever de incentivar os  padres, principalmente aqueles meus amigos. Por isso eu não me poupava e gastava horas de sono escrevendo-lhes um a um, oferecendo-lhes minha amizade como sacerdote, colocando-lhes aquilo que eu mais sentia em relação a Igreja e à  fidelidade a Jesus Cristo, não deixava também de mater-lhes informados sobre os acontecimentos na diocese e também de brincar para suprir as muitas vezes que embora sem subir numa cátedra encorajava-os e quase que imperceptivelmente  me passava por um diretor espiritual, mesmo porque eram eles muitas vezes a  confiarem-me seus problemas e dificuldades. Dentre tantas passagens, lembro-me que a um amigo que passava por dificuldades escrevi-lhe estas linhas:
Digo a ti apenas que consolides em cada momento a confiança no bom Deus e convence-te de que Ele às vezes nega consolações ao Espírito, mas não nos quer ver privadas da resignação à sua vontade que é a raiz de cada um dos nossos méritos".

Outra vez, escrevi ao amigo Rossetti, aconselhando-o que era necessário obedecer sempre, não confiar em causa própria, no próprio critério, pois este é o segredo da vida cristã, o talisma da santidade .(1)
Ao meu amigo Delaude que passava por um certo desânimo escrevia-lhe estas palavras: "Coragem, não desanime, nesta passageira sonolência, que precede o despertar. No silêncio a alma se prepara para aquele grito altíssimo que deverá ecoar por todo mundo católico. No silêncio amoldam-se as  grandes personalidades, como na concha humilde endurece a gota de orvalho que, transformada em pedra preciosa, embelezará a testa das filhas do rei".(2)
A este mesmo amigo eu lhe sugerí  de não esquecer de rezar, trabalhar muito e de anunciar o evangelho com a própria vida  e de ler a vida dos santos, porque todos temos a necessidade de elevar-nos um pouco à altura dos  grandes modelos. Todos precisamos levantar-nos  daquele baixo horizonte de pigmeus e assumir o lugar que nos convém como  ministros do Senhor.(3)


O tempo transcorria rapidamente, estávamos quase no fim do ano 1869 e o Papa já havia publicado a bula de convocação para o Concilio Vaticano I, fixando a sua abertura para o dia 08 de dezembro daquele mesmo ano. Diante da alegre notícia, toda a Igreja começou a preparar-se para o evento. Em Asti iniciou-se um movimento de orações pelo  êxito do Concílio. O meu amigo Delaude iniciava também em sua paróquia uma "cruzada" silenciosa de orações e mortificações pelo Concílio e eu logo que soube disso aderi com muito prazer a esta iniciativa rezando também por este acontecimento de suma importância para a Igreja. Da mesma forma os bispos se preocuparam muito com a preparação imediata do Concílio, por isso na metade de abril de 1869 acompanhei Dom Sávio para um encontro dos bispos piemonteses em Turim, onde discutiram inúmeras questões, dentre as quais aquela da infabilidade do Papa.
Estávamos em novembro deste mesmo ano, quando a convite do meu bispo, acompanhei-o em  Roma como seu secretário.  Fiquei hospedado no famoso palácio do "Quirinale" este era a residência oficial do Papa durante o escaldante verão romano.
Ali iniciava-se para mim uma inesquecível aventura, pois como acompanhante de Dom Sávio, passei a conviver e conhecer cardeais, bispos e muitas outras pessoas importantes. Dentre muitas com as quais me detive, lembro-me muito bem do Cardeal Joaquim Peccei, Arcebispo de Perurgia e que seria o futuro Papa Leão XIII. Lembro-me ainda do Cardeal Dorment, Arcebispo de Bordeaux, de  Dom Bagnoud, bispo de Belém, Dom Mouly, Arcebispo de Pequim, além do Jesuíta Francisco Pellico, irmão do  grande escritor Sílvio Pellico e  também de Pedro Marietti, editor pontifício. Em suma, foram  tantas pessoas bondosas e influentes que conheci, que seria enfadonho deter-me numa listagem de nome.
Naqueles dias o coração de toda a Igreja espalhada pelo mundo inteiro, pulsava em Roma. Em dias verdadeiramente de graças. O dia mais esperado por mim foi 08 de dezembro, quando o Papa dava início oficialmente ao Concílio com uma solene santa missa. Começava-se assim a primeira sessão do Concílio com 737 participantes, dentre os quais também eu. Lembro-me muito bem  que o questionamento mais forte e que se colocou de imediato nos  trabalhos conciliares foi: Como enfrentar o novo mundo nascido da revolução Francesa?
Diante daquelas várias centenas de pessoas preocupadas com  os destinos da Igreja, estava eu, tocando com minhas próprias mãos, vendo com meus próprios olhos, o que era a Igreja, a sua força, a sua beleza, a luz do seu magistério. Parecia-me  de encontrar-me no céu, e por isso, logo em seguida escrevia ao meu pai que só tinha que agradecer a Deus por aquela oportunidade de  encontrar-me no meio de  tantas maravilhas que era impossível exprimir através de uma carta.  Lembrei-me em seguida do meu amigo Riccio e escrevi-lhe uma bonita cartinha contando sobre a audiência que tive com o Papa Pio IX juntamente com Dom Sávio na noite de Natal daquele ano. Sinceramente, era impossível escrever as plavras que manifestavam a minha experiência de ver, ouvir, tocar e  falar com  o Papa de uma maneira tão espontânea e próxima.
Roma tornou-se para mim um recinto sagrado, pois sempre  mais queria conhecê-la, contemplá-la, tocá-la , sentí-la e gozar de tudo aquilo de mais bonito, mais querido e precioso  que nela existia. Era ali na cidade eterna que a gente podia encontar  em qualquer lugar algo que comovia, que alegrava o coração de um cristão, sobretudo de um sacerdote. Tudo isto fazia vibrar fortemente meu coração. Sentia como era  tão consistente a nossa religião, porque engrandecia e purificava tudo aquilo que se tocava. Diante da emoção e das novidades do particular momento que estava vivendo, vinha-me em mente um agradecimento espontâneo ao Senhor que anos atrás tinha-me salvo dos perigos em que me encontrava de ser também eu do número daqueles infelizes que se distanciaram dos ensinamentos da fé católica.Minha alegria tornou-se cada vez maior à medida em que eu constatava com os meus olhos os frutos do Concílio. Efetivamente, um dos primeiros frutos foi a promulgação da Constituição Dogmática "Dei Fillius", onde com lucidez e coragem, propunha a verdade da fé ao  mundo inteiro numa hora em que a razão e a ciência alucinada pela soberba, negavam toda a verdade revelada por Deus. Mas o dia 18 de julho de 1870 foi inesquecível para mim, pois o Papa naquele dia dentro da Basílica de São Pedro proclamava com a Constituição Dogmática "Pastor Aeternus", o dogma da infabilidade do Papa, recebendo a aprovação de 451 votantes e com uma não aprovação de apenas 88 que se manifestaram  contrários a tal proclamação.
Um mês após este grande acontecimento para a Igreja, Roma vem invadida e tomada em razão da guerra Franco-Prussiana, o Papa Pio IX se fechou dentro dos muros do Vaticano exprimindo assim para a própria Igreja e para o mundo seu claro protesto e agressão que recebia. Mas deste episódio eu não participei, pois neste interim o Concílio fora suspenso e eu já estava em Asti com Dom Sávio.
Este episódio lamentável fazia com que o Papa fosse tratado como  inimigo da Itália, mas ele não ficou sozinho, pois o mundo inteiro manifestou-lhe demonstrações de estima, afeto e de apoio. Nesta situação de oposição e perseguição à Igreja, Pio IX que antes tinha recebido do mundo inteiro numerosos pedidos solicitando proclamação de São José como Protetor da Igreja, sentiu que era a hora e com o Decreto "Quemadmodum Deus", aos  08 de dezembro de 1870 proclamava São José o Patrono da Igreja Católica.
O fato repercutiu tão bem e aqui também minha alegria foi indescritível, pois eu já era então  um devoto de São José. O acontecimento colocava finalmente o Santo Patriarca no seu devido pedestal e com isso, a sua devoção começou a aparecer sob diversas formas, particularmente com as associações e confrarias em nome de São José e com  isso, o laicato católico recebeu um novo impulso e reflorescimento em todo o mundo católico. Neste sentido tinha razão Pio IX, quando ao ilustrar o seu decreto dizia: "José, aquele que, na sua vida, serviu somente Jesus e o início da redenção. São José, aquele que hoje no céu, assiste e protege a Igreja, prolongamento de Jesus e seu místico  Corpo do mundo".
Os refletores convergidos para a pessoa de São José dentro da Igreja, solidificou ainda mais minha devoção para com ele, passei a imitar suas virtudes e procurei difundir sua devoção e assim foi o que o tempo passou e eu tive então a possibilidade de aconselhar aos meus filhos espirituais que cada um tomasse as próprias inspirações do modelo São José, que foi aqui na terra o primeiro a cuidar dos interesses de  Jesus.
Quando voltei para Asti, após a suspensão do Concílio procurei ficar mais atento às necessidades do meu bispo que estava cansado e doente. Trabalhei duro na preparação da relação de toda a Diocese para enviar a Roma. Preocupava-me a diminuição do número de seminaristas e por isso, de imediato, prestei-me a ser confessor e professor no seminário.
Entretanto, a perseguição ferrenha que se fazia à Igreja, tinha em contra partida soprado no seio da Igreja  Italiana, por parte de alguns mais aguerridos, o desejo de melhor torná-la presente na sociedade. E isto foi muito bom, pois não demorou para nascer em Bolonha, no ano de 1867 a "Sociedade da Juventude Católica", por iniciativas de Mário Fani e João Acquaderni. Esta iniciativa  veio a somar-se aquelas outras obras já existentes no Piemonte, na pessoa de Dom Bosco, Murialdo e Faà di Bruno; as quais tinham proporcionado um verdadeiro despertar do laicato católico.
Em Asti contudo, este ar de renovação ainda não tinha chegado. Existiam apenas a "Opera Pia Michelério", uma instituição dirigida pelo Cônego João Cerutti e que acolhia os órfãos e um Asilo que abrigava em particular os doentes, mas este seria fundado somente no ano de 1874 por iniciativa de Francisco Cerrato. Constatando tanta necessidades passei a martelar continuamente em minha cabeça a urgência de criar um novo projeto  dentro da Diocese de Asti. Depois de muito pensar e ficar convencido de que isto era vontade de Deus, propus ao Cônego João Cerutti o esboço de uma "Companhia de São José, protetora dos interesses de Jesus". Tendo evidentemente São José como modelo e inspirador, ele que aqui nesta terra tinha cuidado e protegido o Menino Jesus e feito de pai durante os  trinta anos de sua vida na pobre família de Nazaré. Eu tinha uma concepção em minha mente de como deveria ser e funcionar esta companhia, simplesmente a queria promotora dos  interesses de Jesus, nas mais  variadas situações. Ela teria finalidades próprias como tinham então todas as outras associações de leigos já presentes e atuantes na Igreja. Particularmente eu queria que os membros desta companhia se  empenhassem diariamente no cultivo da oração pessoal e comunitária, que todos colocassem em comum suas aptidões e que trabalhassem em obediência ao Papa e ao Bispo. Além disso, especificamente como  trabalho concreto inicial, que se formasse uma espécie de um bazar católico com livros e objetos sagrados para estimular e facilitar a formação cristã principalmente da juventude. Era então o ano de 1872.
Infelizmente o Cônego Cerutti não levou a sério a minha intenção e sem seu apoio, tudo parou por ali mesmo. Mas, em mim persistia a idéia de realizar algo de prático e proveitoso em benefício dos outros.  Constantemente surgia-me a pergunta: O que eu deve fazer? O que Deus quer de mim? Eu refletia sobre estes questionamentos e parecia-me claro que o que Ele queria não era apenas aquele pouco de ministério que eu desenvolvia diariamente como secretário do bispo, ou como professor e confessor. Constatava com os meus próprios olhos que aquela sociedade precisava de mais pessoas  dedicadas ao Serviço do Senhor, embora em todo o Piemonte neste período tivessem surgido quarenta famílias religiosas femininas e sete masculinas. Mas apesar de tudo os sacerdotes seculares continuavam  poucos nas dioceses e a força de trabalho ativa da Igreja era ainda deficitária. Além do mais, muitos conventos tinham sido suprimidos pelas leis de Napoleão e Rattazzi. Portanto, a urgência de pregadores, catequistas, educadores para as moças e os rapazes, de assistência aos pobres e velhos, aos doentes e marginalizados, de  confissões e direção espiritual, era impelente.
Juntamente com estes constantes questionamentos ante à  necessidade da Igreja, eis na metade do ano de 1873 um antigo desejo que eu já havia compartilhado com Delaude, começou a incomodar-me. Este era de fazer-me  trapista e viver o resto de minha vida no recolhimento e  na oração, ocupando-me única e exclusivamente de Deus. Precisava de uma resposta para esta inquietude, precisa de alguém com que exprimisse mais claramente este meu  desejo e por isto dirigi-me a Dom Sávio abrindo-lhe meu coração. Ele, após ouvir-me atentamente disse-me: "Padre José, parece-me que Deus quer outra coisa de sua pessoa aqui no mundo".
Aceitei serenamente seus conselhos e continuei trabalhando como de costume, mas meu coração não me deixava parar de pensar num mosteiro trapista. Meu desejo e o meu amor pela trapa parecia explicar-me pela vontade de  contribuir no florescimento da vida Religiosa em  Asti que era uma cidade privada de religiosos. Nela, no inicío do século tinham sido suprimidas várias ordens religiosas, como já acenei, mas dentre as quais foram a cartuxa Beneditina que existia em Asti, desde 1387, assim como o Mosteiro Beneditino perto de Mongardino e  os Cistersenses de Asti. Além do motivo que tinha para tornar-me trapista, cooperou igualmente as visitas que fiz quando estive em Roma para o Concílio, aos mosteiros trapistas de  "Tre Fontane" e ao  "Montecasino", berço do  monaquismo no Ocidente. Nestes dois lugares senti-me seduzido, e ao mesmo tempo vivi um atrativo secreto pelo silêncio e  pela contemplação.
Incomodado ainda por esta necessidade que me  parecia impelente, dirigi-me pela segunda vez a Dom Sávio, desta vez pedindo-lhe a permissão para entrar num  Mosteiro, mas depois de longo diálogo meu bondoso bispo afirmou-me que Deus queria algo de mim no mundo para a glória e a salvação das almas. Entretanto, aconselhou-me de  rezar muito para que Deus logo  fizesse conhecer quais eram os seus desígnios ao meu respeito.
Aceitei obedientemente os conselhos do meu bispo,  mas continuei questionando-me por que Asti não tinha nenhum instituto religioso masculino?  Ressoavam-me ainda dentro de mim as distantes palavras de Lacordaire que  eu tinha lido em suas conferências nos anos de 1867 e 68, quando escrevendo sobre grande tristeza da supressão das Ordens Religiosas na França, após a Revolução Francesa, assim dizia: "O melhor serviço para se  fazer à Igreja é justamente aquele de fazer alguma coisa para o ressurgimento das ordens Religiosas".
Continuava, entretanto desenvolvendo o meu trabalho como secretário de Dom Sávio e ocupava meus  retalhos de tempo para escrever aos amigos, sobretudo para incentivá-los quando manifestavam dificuldades, mas não deixava do mesmo modo de  ficar atento aos  acontecimentos mais importantes dentro e fora da Igreja. O desejo, porém de reavivar a vida religiosa não tinha  adormecido em minha mente.
Foi preciso deixar o tempo passar, decantar as coisas, e que chegasse o ano de 1877 para que eu elaborasse novamente um projeto de fundação de uma Congregação Religiosa, a qual denominei de  Oblatos de São José, tendo como finalidade principal honrar São José, imitando suas virtudes e procurando conformar-se da melhor maneira a vida de seus membros com  o estilo de vida pobre, humilde e  escondida deste grande santo que eu muito admirava e honrava.
Feito o projeto, apresentei um esboço do mesmo a Dom Sávio, o qual imediatamente aprovou, prometeu-me seu apoio e até aconselhou-me ir à Turim, a fim de consultar aqueles "homens de Deus" que tinham então a fama de serem os mais iluminados e dentre os quais estavam os padres Carpignano e  Anglésio. Estes eram considerados os mestres de almas mais apreciados e procurados em Turim e a eles recorriam tanto os bispos como os sacerdotes, os fundadores como as fundadoras. Guiados pelos seus sábios conselhos tinham surgidos no Piemonte as famílias Religiosas de São Leonardo Murialdo, do Bem-Aventurado Francisco Faà  di Bruno, Frederico Albert, Clemente Marchisio e José Rosaz.
Não perdi tempo, e depois de alguns dias  encontrava-me com o padre Anglesio, sucessor do Cottolengo na direção da "Pequena Casa da  Divina Providência". Conversei longamente com este meu consultor e ele me assegurou que meu projeto parecia ser verdadeiramente de Deus. Animado pelos seus sábios conselhos, ousei perguntar-lhe se não podia ceder-me um irmão de São Vicente para servir de pedra fundamental da obra que então estava disposto a iniciar, mas  ele com sinceridade disse-me que aquele homem de que eu tinha necessidade ele não tinha, mas  mesmo que o tivesse não me cederia, porque  cada Congregação que Deus suscita na sua igreja deve ter o seu  espírito próprio .
Confortado pelo juízo positivo do Padre Anglesio e de muitas outras pessoas que me incentivavam, não duvidei de que aquela era a vontade de Deus e comecei rezar muito para que o Senhor abençoasse o meu projeto e enviasse vocacionados para enfim dar o início à tão desejada Congregação


Com o intuito firme de iniciar uma nova Congregação, percebi que a vontade de Deus era clara a respeito ao meu projeto, por isso, não esperei que as vocações caissem do céu. Arregacei as mangas e comecei procurá-las, enquanto o Cônego Cerutti deu-me uma chance permitindo que eu fizesse a proposta àqueles jovens do Michelério que tinham melhores possibilidades de entrarem em minha nascente Congregação. Este foi um grande passo rumo aos meus objetivos, mas ao mesmo tempo dirigi-me aos sacerdotes da diocese pedindo-lhes colaboração no sentido de encontrar vocações. Escrevi também muitas cartas com este mesmo intuito à pessoas amigas, dentre as quais lembro-me ter escrito uma com muita confiança e confidencialmente ao Pe. Cesar Rola, do qual eu era Diretor Espiritual. Nesta eu lamentava-lhe a falta de  vocações religiosas masculinas na Itália, que por muito tempo tinha sido a terra clássica do monaquismo, e que na  situação de então quase ninguém mais pensava na prática dos conselhos evangélicos e com isso, os noviciados masculinos encontravam-se todos vazios. Diante desta minha constatação eu lhe perguntava se o amor às riquezas, aos  prazeres e à liberdade não tinha efetivamente obscurecido as máximas do evangelho, a ponto de ninguém mais querer ser discípulo do Divino Mestre. Será que os  religiosos eram coisas do  passado? Para mim isto não era  verdade, por isso eu incentivava ao meu caro amigo a esforçar-se, malgrado os impedimentos do mundo, a incutir nos homens, seja nas posições em que se encontrassem, a  procurar aquilo que era fácil então  para as mulheres, ou seja, o estado de Consagração ao Senhor. Conclui depois esta minha carta a ele pedindo-lhe que se por  acaso conhecesse algumas destas pessoas, mesmo que fosse um rude camponês, ou um pobre operário que se sentisse inclinado ao estado de comunhão de vida com  outras para poder dizer como Pedro: "ecce non reliquimus  omnia et secuti sumus te?  E se existisse que rezássemos ao Senhor para que as  confirmassem na vocação e as fizessem generosas no tempo oportuno, pois também para quem não é apto aos estudos, deve ser possível a observância dos Conselhos  Evangélicos e a segurança da própria salvação no estado religioso...(5)
Transcorrido apenas um mês, precisamente no dia 04 de novembro de 1877, festa de São Carlos Borromeu, tornei a escrever ao Pe. Rolla que continuava trabalhando em Mongardino. Ele tinha me prometido ajudar na empreitada. Por isso, mais uma vez pedia-lhe com insistência que continuasse procurar qualquer rapaz de boa vontade e  que o cultivasse até o momento oportuno. Enviei-lhe também o primeiro esboço da Regra Fundamental, da "Companhia de São José", já aprovada por Dom Sávio. Ali estava expresso em poucas palavras o esboço na Companhia que eu havia demonstrado estar disposto a começar pedindo os  conselhos do Cônego Cerutti. (6)
Ao Pe. Rolla eu manifestava o mesmo princípio de simplicidade que devia caracterizar a "Companhia "; por isso dizia-lhe que "Qualquer que seja, por qualquer razão (idade avançada, dificuldade nos estudos, etc.) não possa aspirar ao estado  eclesiástico ou religioso, e todavia deseja seguir  de perto o Divino Mestre com a observância dos Conselhos Evangélicos, está aberta a Casa de São José, onde retirando-se com o propósito de permanecer escondido e silenciosamente operante na imitação do grande Modelo de vida pobre e obscura, terá os meios de tornar-se um verdadeiro discípulo de Jesus Cristo.(7) Para mim a Casa de São José  deveria estar aberta à pessoas simples que eu chamaria de irmãos, não religiosos professos, mas simplesmente Oblatos, estes se disporiam a oferecer-se continuamente a Deus para buscar a perfeição, destacando-se de todos prazeres terrenos do corpo e  do espírito. A obrigação da Companhia de São José eu a delineava nas palavras de Jesus "renunciar tudo para ser meu  discípulo", palavras que recolhiam os três pontos essenciais da vida de perfeição. Pobreza, Castidade e Obediência. Na verdade, este meu desejo concretizou-se, e meus Oblatos professaram os votos em 1901, quando minha Congregação teve sua existência canônica reconhecida.
Aberta a Casa de São José, não demorou senão alguns dias para que eu encontrasse o primeiro candidato. Tratava-se de um ótimo jovem de 23 anos, chamado Jorge Medico. Eu já havia o conhecido no seminário, mas depois, ficando órfão do pai, e sendo muito pobre tinha voltado para  sua casa no início daquele ano  para ajudar a sua família.  Falei com ele longamente, expus-lhe meus projetos e convidei-o para ser um dos primeiros a iniciar a nova Congregação. Jorge, depois disto foi aconselhar-se com  o seu pároco e aceitou prontamente o meu convite. Estava finalmente dado o início. Neste interin conversei também com vários jovens do Michelério e propus-lhe a mesma coisa.
Senti que realmente o momento tinha chegado e  no dia 14 de  março de 1878, quatro jovens: Jorge Medico de 23 anos, Beamino Pietro  Luigi de 20 anos, Rey Luigi de 20 anos e Franco Vincenzo de 44 anos, formaram a primeira turma os Oblatos de São José numa das  salas do Michelério.
Minha felicidade era notada por qualquer um,  passei a acompanhá-los diariamente. Infelizmente destes quatro apenas Jorge Medico perseverou. Mas passados quatro meses, vieram se unir a nós, outros dois bons jovens: José Capussotto, lavrador de 27 anos e Francisco Ponzo, alfaiate de 26 anos. Estes seis chamados foram as primeiras sementes da Companhia de São José.
Ali entre os muros do Michelério, não tinha nada de luxo, apenas um cômodo dividido que servia de refeitório e sala. Alguns pratos de barro e um quadro de São José na parede. Numa outra sala ficava o pequeno dormitório. Naturalmente o Cônego Cerutti pediu e eu pagava com prazer, uma pequena taxa ao Michelério pela ocupação do lugar.
Aos  seis primeiros membros  eu propus o esboço da regra fundamental a qual salientava que o irmão de São José, não era um religioso no sentido  comum da palavra, portanto professo, mas um simples Oblato que se oferecia continuamente a Deus, buscando a perfeição e destacando-se dos prazeres do corpo e do espírito.
Eu queria que São José fosse a referência segura para eles chegarem até Jesus e por isso também ensinava-lhes que na Casa de São José, os irmãos deviam viver como pobres, obediente e castos, em comunidade e fraterna caridade, procurando continuamente seguir Jesus Cristo, como fez São José na sua casa de Nazaré.
Sobre qual ministério específico deveriam desenvolver os meus Oblatos eu não tive imediatamente do Senhor uma  clara manifestação. Compreendi entretanto, que seria um serviço para a Igreja como colaboradores dos padres nas paróquias, como catequista, sacristões, etc.
Os primeiros meses da Congregação foram transcorridos quase que exclusivamente dentro das paredes do Michelério, entre orações, aulas de catequese e  trabalhos dentro da própria casa. É verdade que alguns pretendiam que os meus Oblatos mais conhecidos como "irmãos", fossem servos do Michelério e frequentemente davam-lhes os serviços mais  despresíveis, entretanto, eu os encorajava a terem paciência  procurando espelharem-se  sempre no exemplo do nosso modelo São José.
Eu realmente estava preocupado em dar à minha Congregação nascente uma estrutura, por isso, em  outubro de 1878, fiz uma peregrinação até  Ars na França, onde  visitei e rezei bastante no túmulo do  grande pároco daquela  aldeia. Os poucos dias que ali passei me  impressionara, pois sentia-me tocado vendo que naquele lugar não eram apenas as velhas e os velhos ignorantes que tinham o rosário em suas mãos, mas também pessoas importantes rezavam de joelhos diante da imagem de Maria Santíssima.
Os dias que ali passei, transcorri-os  hospedado na casa dos "irmãos da Sagrada Família", os quais dirigiam ali mesmo um orfanato. Observei atentamente como eles trabalhavam na Igreja e no serviço da juventude.  Observei também o hábito religioso que eles usavam, uma simples veste sem botões, com uma faixa preta na cintura. Gostei do modo simples de vestir destes irmãos, e decidi que também adaptaria aquela veste aos meus Oblatos. Assim, no dia 19 de  março de 1879, festa de  São José, seis irmãos Oblatos receberam  a veste religosa das mãos do Cônego Cerutti, numa cerimônia na "Igreja de Jesus". Naquele  dia o Cônego Cerutti parecia ser o fundador e o Superior daquele pequeno grupo, mas eu não me importei, tanto é verdade que nem forcei para ser eu o presidente da Cerimônia e entregar pessoalmente o hábito a cada um deles. Hoje olhando à distância não seria dizer-vos se fiz isto levado pela personalidade forte do Cônego, que concentrava tudo em sua pessoa, ou se foi por humildade, seguindo o exemplo de São José.
O certo é que eu estava muito contente, mesmo depois que na cidade meus Oblatos passaram a serem chamados por alguns como os "Fratini" do Cônego Cerutti.  Na verdade no dia da vestição daqueles seis jovens, um grande acontecimento marcava a história, pois  depois de aproximadamente  80 anos desde as primeiras supressões Napoleônicas, estava renascendo em Asti a Vida Religiosa.
A oração e o trabalho eram contínuos, pois esta pequena comunidade manisfetava um grande fervor. Posso afirmar-vos que alguns destes durante o carvanal passaram a noite inteira de joelhos em oração. Posso dizer que existia também entre eles aquele sentido de humor e de brincadeiras, como uma vez que José Capussotto estava rezando em alta voz dentro da Igreja e repetia-o continuamente : "Senhor, dê-me umas bordoadas".  Então Pedro Biamino pegou uma forte vara e começou a fingir de  bater-lhe mesmo. Então Capussotto reagiu imediatamente, mas Biamino disse-lhe então: " O Senhor encarregou-me que eu mesmo te batesse, ou você queria que viesse Ele próprio".
Entretanto, a comunidade aos poucos ia crescendo e no dia 18 de março de 1880 mais três jovens: Francisco Nissa, José Coppo e Pedro Camerano ingrossaram o número dos irmãos. Eu gostava muito daqueles jovens, pareciam-me sérios e davam-me bastante esperanças, por isso, todos os dias me esforçava para formá-los através de uma meditação embasando-os na escola de São José. Naturalmente, meus ensinamentos possuiam um sabor Josefino e  pelo que bem me lembro, deixei-lhes bem claro que:  "A vida escondida é o meio mais eficaz e mais  seguro para se poder chegar à  perfeita retidão de intenção". Falava-lhes do coração que "Felizes são aqueles que compreendem o valor da vida escondia, estes gratificarão grandemente a Deus, porque uma alma desejosa na vida escondida, ignorada pelo mundo, toda voltada para servir a Deus e à procura somente Dele, lhe dará certamente a máxima glória." Outro pensamento que incutia-lhes com gosto em seus corações era: Sede Cartuxos em casa e apóstolos fora de casa" ou ainda, "Como São José, vivamos cada dia, seguindo as disposições da Providência, fazendo o quanto ele sugere."
Moldados neste espírito de silêncio e humildade, estabeleci para a nascente comunidade os dois tipos de  silêncio. O primeiro chamado de Grande Silêncio que iniciava com a oração da noite e durava até ao outro dia na hora do café da manhã. Este era tido como  um silêncio rigoroso. O segundo chamávamos de pequeno silêncio que permeava todo  o dia, exceto nos momentos de recreação, este consistia em falar somente por necessidade.
Durante os três seguintes anos, o meu  trabalho na diocese se tornou mais intenso, primeiro porque passei a ter uma maior preocupação com  o meu bispo que já idoso, tinha se tornado muito doente, depois porque fui nomeado no início de 1879 Cônego  honorário e em seguida, efetivo da Catedral de Asti, onde  passei desde então a exercer um ministério contínuo de  confessor e de pregador. Todos os dias de manhã e à  tarde, encontrava-me na Catedral para o atendimento das confissões e direções espirituais tanto de padres, religiosas como fiéis.
Ao mesmo tempo, Dom Sávio instituiu-me confessor e Diretor Espiritual dos Clérigos seminaristas. Se como isto não bastasse, não porque  não estava disposto, mas  porque não tinha mais tempo nem para mim, nem para os meus Oblatos, fui também constituído confessor e Diretor Espiritual por sete anos consecutivos no Instituto Migliavacca.  Quero lembrar também que Dom Sávio escolheu-me no início de 1880 para seu confessor e diretor espiritual particular, tarefa que desenvolvi com maior carinho até a sua morte.
Tendo falecido Dom Sávio no final de julho de 1881, tornei-me Chanceler da Cúria até a chegada do novo bispo.
Dom Sávio era muito bom para comigo, estimava-me e incentivava-me no presseguimento da minha nova Congregação. Ele sabia de minhas dificuldades financeiras, por isso, quando morreu deixou-me tudo quanto possuia de pessoal com a finalidade justamente de desenvolvimento dela. Ao receber tal herança, procurei aplicá-la da melhor maneira possível em benefício de meus Oblatos. Adquiri com esta ajuda logo naquele  mesmo ano o pequeno Santuário "Del Vallone" dedicado à Nossa  Senhora da Misericórdia e localizado entre São Martinho e Antignano D' Asti desde 1769. Este era para mim um lugar fascinante, no coração de uma magnífica concha  tendo uma inclinação  para a escondida planície do Tânaro, um lugar silencioso e cheio de paz, ideal para o recolhimento e  para a oração, Meu intuito, ao adquirir esta pérola de Santuário foi para dar aos meus Oblatos um  lugar de férias e ao mesmo tempo tornar aquela Igrejinha num lugar apto para a oração para o povo da vizinhança. Esta foi a primeira Casa da Congregação fora o Michelério.
A "Companhia de São José"como no início foi denominada, crescia e já contava com  uma dezena de  membros, diante disso eu necessitava conhecer melhor sobre as famílias religiosas já existentes, para dali obter experiências.
Por isso começei estudar e conhecer melhor a família Salesiana de Dom Bosco e inclusive encontrei-me algumas vezes com ele e conversamos muito sobre este assunto e até por reconhecimento a ele inscrevi-me como membro cooperador Salesiano. Visitei também algumas Casas Religiosas dos Maristas e inclusive dos Trapistas e dos Irmãos das  escolas cristãs e a cartuxa de  Pavia. Tudo isto valeu-me muito, mostrou-me muitos ângulos que  não tinha ainda percebido. Mas, além de tudo, eu continuava sempre  à escuta da ação do Espírito Santo, pois sabia que precisava das luzes do alto para caminhar com mais segurança e firmeza.
No dia 28 de maio de 1882, Asti amanhecia em festa porque recebia seu novo bispo Dom José Ronco. Fiquei feliz porque novamente a Catedral episcopal estava ocupada por  um homem inteligente embora muito enérgico. Apenas conheci-o ele já nomeou-me Chanceler da Cúria. Recebi o Decreto de minha nomeação a  tal encargo e ao lê-lo o bispo dizia que me fora confimada a função como Chanceler por que eu fora : "preferido por todos, pela minha honestidade e probidade aos meus costumes, digno de louvor pela fé, pelo cuidado e por ter sido secretário de Dom Sávio por muitos anos, Sumna cum laude".
As palavras e a consideração por mim foram bonitas e comoventes, mas Dom Ronco era um homem temperamental e também rude nas palavras e quando apresentei-lhe um documento com todas as  informações e a caminhada da minha Congregação, onde pedi de lê-lo quando pudesse e expressar-me seu parecer, ele acolheu este pedido com muita indiferença  e não deu nenhuma importância. Depois de algumas  semanas voltei ao assunto com ele pedindo-lhe o seu parecer, mas ele simplesmente disse-me: "Seu documento está ainda ali no lugar que deixei, e se  você que eu o restituo agora". Aquelas suas palavras foram um balde de água fria no meu entusiasmo. Senti  muito aquela atitude do meu bispo, por isso, tomei o documento  e senti-me naquela hora que a melhor atitude era abandonar-me nas  mãos de Deus e foi o que eu fiz. Entretanto,  eu prescentia que um longo e tenebroso inverno estava para começar.
Mas nem tudo é perene e aos poucos eu mesmo percebia que Dom Ronco foi se abrindo e à medida em que ele ia tomando conhecimento da realidade de sua nova diocese, ia tornando-se cada vez mais ascessível. Assim a "Companhia de São José " que a  princípio não lhe dizia nada, aos poucos começou a entrar em seu coração e passou reconhecer-me como o verdadeiro fundador e superior dos Oblatos e não o  Cônego Cerutti que até então esforçava-se por passar como o protagonista  e dava a entender que era ele o Superior.
Nesta altura, talvez pelas minhas inúmeras  atividades e pelas adversidades sentidas, o número dos Oblatos não crescia. O último que tinha entrado a fazer parte de nossa família Oblata tinha sido Vicente Baratta em janeiro de 1881, e naquele momento embora Oblato, nem em Asti se encontrava, mas em Turim junto com os salesianos.
As dificuldades para se conseguir vocações eram também devido ao comportamento  um tanto quanto arbitrário do Cônego Cerutti que esperava dos meus Oblatos apenas um grupo de "irmãozinhos"para trabalhar no Michelério. Por isso quando alguém se apresentava como jovem vocacionado pedindo  para entrar na família dos Oblatos, o Cônego fazia-lhe por primeiro um sério interrogatório para poder sondar-lhe suas intenções, e se o candidato deixasse transparecer a idéia de querer tornar-se padre, era imediatamente dispensado, assegurando-lhe que devia procurar o seminário diocesano e não os Oblatos. Eu sentia muito esta atitude do Cônego , mas nunca cheguei a perder a paciência, pois tinha a plena convicção de que um dia aquela situação seria revertida.
Com  o tempo tudo se resolve e tudo efetivamente começou a modificar-se, quando aos 18 de fevereiro de 1883, o nosso primeiro Oblato tornava-se sacerdote. Este jovem padre eu o tinha conhecido em 1878 propondo-lhe na ocasião de fazer parte da "Companhia", mas se como o seu pensamento era de tornar-se sacerdote, obtive de Dom Sávio a permissão para ele estudar teologia na portaria do Michelério. Assim ele estava constantemente em contato com os quatro primeiros irmãos e a mesmo tempo considerava-se um membro da "Companhia" que apenas estava nascendo. No prosseguimento de seus estudos tornara-se clérigo em preparação ao sacerdócio, e isso me questionava. Perguntava-me se não era vontade de Deus que alguns Oblatos também chegassem ao sacerdócio. Assim, guardei tudo isto comigo e entregei nas mãos de Deus. O tempo encarregou-se de dar-me uma resposta.
A presença de Pe. Cortona entre os Oblatos foi uma verdadeira benção. Com ele os irmãos tiveram a possibilidade de se transferirem para uma acomodação mais ampla no próprio Michelério e começaram viver de modo mais autônomo e nem foi preciso mais que eu pagasse  o aluguel nas dependências ocupadas, pois de agora em diante bastava o  trabalho dos irmãos.
O Pe. Cortona passou dali em diante ser o meu braço direito.  Ajudou-me na direção da Congregação nascente e sua presença como sacerdote levou-me a admitir  possibilidade de outros irmãos estudarem em vista do sacerdócio. Mas para que este meu desejo se concretizasse, era necessário a permissão de Dom Ronco, o qual era  sempre cioso de sua autoridade. Diante do intento nada fácil, contei providencialmente com o total apoio do Vigário Geral da Diocese, Pe. Bertaga que fora aluno de José Cafasso em Turim e gozava de uma boa estima e confiança de Dom Ronco. Ele conhecendo bem minhas  intenções disse-me um dia que a minha Congregação estava destinada a ser não uma "Capela" mas uma  "Catedral", afirmando com isso que tinha tudo para crescer, explandir e fazer um bem enorme na Igreja.
Depois que Pe. Cortona se ordenou e tornou-se efetivamente um Oblato, o pedido de jovens para ingressar no nosso seminário aumentou e a partir dai será contínuo. Logo em seguida entraram João Rapetti e Felix Navone.  No final do ano voltava de  Turim Vicente Baratta, onde tinha  estudado até o 3º ano de Teologia e continuará e 4º  de teologia conosco não no seminário diocesano, mas sob a direção de  Pe. João Cortona. Ao terminar a teologia, também ele pediu para ser ordenado, mas quando fui fazer o pedido para a sua autorização ao ministério sacerdotal, Dom Ronco foi categórico, dizendo-me um belo  de um não. Foi preciso muita diplomacia e insistência do meu intercessor, Pe. Bertagna, para que o bispo cedesse, e no dia 20 de fevereiro de 1884, Vicente Baratta foi admitido entre o número dos candidatos ao sacerdórcio.
A esta altura, com dois sacerdotes, a "Companhia"passava a ser uma pequena Congregação, termo que eu sempre gostava de usar. Ficou sendo conhecida como "Congregação dos Oblatos de São José".
Não tendo mais nenhuma dúvida de que a possibilidade de acesso ao sacerdócio, devia ser aberto a todos os chamados para esta vocação, contei mais uma vez com a ajuda de  Pe. Bertagna, o qual orientou aos irmãos interessados a tornarem-se sacerdotes que fizessem o pedido ao bispo e deixasse o resto por conta dele. De  fato, Pe. Bertagna se empenhou e conversou muito com Dom Ronco, o qual depois de tantos questionamentos por fim disse-lhe: "Se o Cônego Cerutti não tem nada a se opor, eu também não terei". Finalmente a estrada estava aberta.
Com o sim  do bispo a não oposição do Cônego Cerutti e o apoio de Pe. Betagna, passaria a trilhar aquela nova estrada um número expressivo de  jovens, começando com o irmão João Medico, o primeiro membro da "Companhia" nascente. Este era um verdadeiro imitador de São José e parecia o mais santo de todos.
Sua decisão e tornar-se sacerdote deu-se precisamente depois de muitas orações aos pés de nossa Senhora da  Misericórdia no pequeno Santuário "Del Vallone", onde eu o tinha destinado em maio de 1883 para organizar o mês mariano. Ali ele rezava todos os dias o terço e dava instruções  ao povo que para lá se dirigia com muito fervor, tocados pelo zelo e pelas palavras, ao ponto de encher a igrejinha e a sua pequena praça.
Em janeiro de 1884, pedia-me para entrar na Congregação  Henrique Carandino de 24 anos. Este já tinha estudado no oratório salesiano em Turim, mas  por motivo de saúde foi obrigado voltar  para junto de sua família. Recebi-o com muita alegria no dia 17 de  janeiro de 1884, após ter feito uma novena a São José a meu pedido, para poder discernir se esta era mesma a vontade de Deus a seu respeito.
A vida de Comunidade no Michelério tornava-se cada vez mais rica e cadenciada pelos estudos e nos meses que se seguiram entraram mais três  jovens: João Cantone, João Ambrósio e Luiz Carberoglio, este último terá uma função muito importante no desenvolvimento da Congregação.
A minha idéia iniciada em 1878 agora estava clara e concretizada, sentia que ali estava a mão de Deus. Tinha-me colocado à disposição de sua Providência Divina e continuaria ainda vivendo cada dia segundo às suas disposições, fazendo o que por ele me era  sugerido.
Neste espírito, surgiu-me a possibilidade de  transferir meus Oblatos para o antigo e conhecido mosteiro de Santa Chiara em Asti, o qual encontrava-se a poucos metros do Michelério. Este grande casarão tinha sido adquirido pela diocese de Asti com a finalidade e colocar ali os doentes do Asilo Cerrato que não tinha mais condições inclusive financeira de funcionamento. Não encontrando na cidade nenhuma instituição que pudesse dirigi-lo, foi-me pedido que assumisse o mesmo com a ajuda dos meus Oblatos.
Achei que minha Congregação tinha que começar fazendo algo de concreto dentro da diocese, por isso aceitei. Porém a primeira coisa que tive que fazer foi reformar por completo o antigo casarão com dinheiro do meu próprio bolso, de maneira que ficou adaptado com uma estrutura para acolher os doentes, inclusive com salas e até uma Igreja,
A primeira atividade que meus Oblatos passariam a desenvolver naquele lugar foi o ensino da catequese para os jovens da cidade, a exemplo do que eu já havia feito nos tempos passados. Estes, eram jovens operários e muitos dos quais não sabiam nem rezar o pai-nosso. A frequência à catequese foi tão expressiva, que além  da ajuda dos Oblatos , foi necessário que eu convidasse mais três sacerdotes. Os frutos foram positivos, pois no final da catequese, mais de cem jovens fizeram a primeira comunhão.
Entretanto, a restauração de Santa Chiara continuava e só terminou aos 30 de maio de 1884, e imediatamente os doentes crônicos do Asilo Cerraro foram transportaados para a nova sede. Por sua  vez, no dia 04 de novembro do mesmo ano os  Oblatos  se mudaram para Santa Chiara, enquanto que Henrique Carandino permaneceu por mais um ano no Michelério como ajudante do Cônego Cerutti.
A nova vida  em Santa Chiara era melhor; tínhamos mais independência e acabavam as indevidas interferências na Congregação. Nossa família religiosa tinha crescido, pois a esta altura éramos vinte e dois membros entre sacerdotes, subdiáconos, estudantes, irmãos e noviços.
Trabalho em Santa Chiara não faltava nunca, embora eu não trabalhasse lá devido minhas funções como Chanceler da Cúria, Cônego, diretor espiritual e vice-reitor do Seminário Diocesano.  Devido minhas atribuições no seminário, a pedido do bispo, vinte seminaristas menores diocesanos passaram a  residir e estudarem em Santa Chiara e com isso, nascia o "Pequeno Colégio de Santa Chiara", quase como uma sucursal do seminário de Asti, tendo Vicente Baratta e João  Medico como assistente.
Santa Chiara tornava-se desta maneira numa casa composta de idosos do asilo, irmãs vicentinas que cozinhavam para os doentes,Oblatos e estudantes do pequeno colégio. Era um conjunto de atividades e situações que passava pelas minhas mãos e tudo isto não era  nada fácil, pois além de meus trabalhos fora, tínhamos grandes dificuldades financeiras. Devo dizer que diante de tudo isto muitas vezes o apoio do Pe.  Bosso, Diretor do "Cottolengo"de Turim, o qual com seu afeto e estima que tinha para comigo, vinha até Asti, ou então aconselhava-me  de não desanimar, mas  de colocar tudo nas mãos da Providência Divina.
A vida em Santa Chiara era organizada com orações, estudos e trabalho no pequeno colégio. Assim como o trabalho com os idosos, com  o ensino da catequese e da assistência religiosa dos Oblatos  fora de casa principalmente nos finais de semana.
Eu,  quando  podia procurava estar sempre presente, dando-lhes formação e acompanhando-os nas orações, assim como todos os domingos celebrava a  missa na nossa pequena capela com a participação de muitos fiéis de fora. Com isso, o antigo mosteiro das clarissas tinha-se tornado novamente um centro de diálogo e de comunhão com Deus.
Sendo que tínhamos esta capela à nossa  disposição, era fácil exercitar alguns atos de piedade que sempre estiveram presentes dentro do meu coração e que desde então, passei a transmitir particularmente aos membros de minha Congregação. Dentre  eles, passou a dar uma  forte importância a devoção à Sagrada Eucaristia, com a exposição do Santíssimo, todos os domingos. A devoção  Mariana, com a  reza do terço todos os dias, assim como a  devoção a São José com instruções sobre, sua vida, sua pessoa e de consequência, o empenho que o cristão devia fazer para imitar suas virtudes. Não ficou esquecida também a veneração aos  Santos Anjos e ao Sagrado Coração de Jesus.
Aos domingos, além de uma boa participação dos fiéis, era também grande participação à beção do Santíssimo à tarde. Lembro-me em muitas bençãos do Santíssimo éramos honrados com a presença de Bartolo Longo que de passagem por Asti fazia questão de nos visitar, e  com o qual fiz uma boa amizade.
Entretanto, o pequeno colégio surgido em Santa Chiara, fundava  mais ainda suas raízes com bons professores, muitos de fora, sendo este um verdadeiro laboratório de vocações para a Congregação, onde logo depois de seu primeiro ano de  funcionamento, cino jovens, dentre os quais Luiz Garberoglio, decidiram  entrar na Congregação, somando-se a diversos outros que já haviam feito a mesma opção, de sorte que na metade do ano de 1885,  tínhamos 33 aspirantes à vida religiosa.  A estes por questão de um certo carinho, passei a chamá-los de "Caríssimi".
Caminhando como tinha caminhado, Santa Chiara tornou-se grande e complexa. Senti portanto que era necessária a minha presença física e mais continua no meio daquela grande família diversificada. Como responsável pela condução do Seminário de Asti, sentia-me inibido  de fazer tamanha solicitação a Dom Ronco para deixar o  seminário. Sendo assim, veio ao meu encontro o Vigário Geral Pe. Sardi que através de sua diplomacia, conseguiu do bispo a  minha transferência para Santa Chiara. Alguns dentre o clero não compreenderam esta minha atitude, e acharam até que eu tinha feito uma grande bobagem ao ir viver no meio dos velhos  e doentes. Porém, minha presença nesta pequena cidade da caridade era necessária, visto que ali estavam vivendo aproximadamente 200 pessoas, dentre os quais 54 delas eram os anciões doentes. O restante eram os membros da Congregação, os estudantes de fora e também uma pequena família de  crianças órfãs.
À esta altura, a Congregação não possuia ainda uma figura jurídica, e por isso era dependente e submetida às disposições de Dom Ronco. Em vista disto nossos Oblatos sacerdotes aceitaram os serviços pastorais  nas paróquias vacantes, quando solicitados pelo bispo.
Minha orientação para os membros da  Congregação era que eles se dedicassem à educação da juventude, ajudando os párocos, servindo aos interesses de Jesus onde quer que fosse necessário. Diante deste noso espírito, mesmo que nos oferecessem paróquias para  dirigirmos como foi o caso da paróquia de Antignano D'Asti, a qual nos foi oferecida em 1885, não aceitávamos porque este não era justamente espírito da  Congregação. Mesmo porque eu queria mantê-los todos unidos no mesmo espírito e numa vida de família sem dispersão.
Mas não eram apenas os sacerdotes que exerciam apostolado, os irmãos também desde o início se esmeraram no ensino da catequese, obra esta que depois será admirada no Piemonte e  na Ligúria.
Neste interin o vigário Geral Pe. Sardi foi nomeado bispo de Pinerolo (1886) e assim eu perdi o meu grande apoio e o incentivador da  Congregação. Com sua ausência, recebi mais um encargo e responsabilidade na diocese; tocou-me ser arcidiácono do Capítulo, justamente no lugar do Pe. Sardi. Mas meus encargos não pararam por aqui, pois logo em seguida fui nomeado "examinador prosinodal" do clero.
Contemporaneamente com o número de Oblatos que tinha crescido, também o número de idosos e doentes tinha aumentado. Mas a Providência dava oportunidade não só para os seguidos pedidos de jovens para ingressarem na vida  religiosa, mas  também possibilitava aos pobres baterem em nossas  portas. Por isso, as irmãs vicentinas que trabalhavam ali introduziram também uma família de meninas pobres, as quais foram chamadas de "Filhas de Santa Ana" e estas começaram a ajudar no extenso serviço da casa.
Devo dizer que graças ao trabalho sério desenvolvido em Santa Chiara, nunca faltaram muitos benfeitores generosos que além do mais admiravam e  elogiavam o nosso  trabalho.
Entre os meses de setembro de 1886 a setembro de 1888, recebemos na Congregação 30 jovens candidatos à vida religiosa, um dentre os quais chamado João Batista Franco, tinha apenas 10 anos. Dentre estes alguns se tornaram grandes missionários fora da Itália tais como Tiago Rivellino, Natal Brussasco, Pedro Bianco que abriram nossa missão Josefina no Brasil no fim de 1919. A esta altura nossa Congregação contava com quatro padres: João Cortona, meu auxiliar na condução da Congregação, Vicente Baratta, grande peregrino e pregador pela Diocese de Asti, João Medico um asceta admirado e ao mesmo tempo ecônomo de  Santa Chiara e Henrique Carandino prefeito-formador dos Seminaristas.