Dom José Marello, uma pérola escondida (Parte I - Do Nascimento à Morte da Mãe)

PARTE I 
DOM JOSÉ  MARELLO
UMA PÉROLA ESCONDIDA
Pe. José Antônio Bertolin, OSJ.
DO NASCIMENTO À MORTE DA MÃE
  Meu pai  chamava-se Vicente Marello. Apenas tinha completado 18 anos, deixou seus pais e seus dois irmãos menores com a firme decisão de não mais cultivar o pedaço de terra que sua família possuia junto a São Martinho Alfieri. Sua escolha foi dura para toda a família, mas disposto como estava, meu pai procurou explicar sua decisão ao meu avô dizendo-lhe:
- Papai, eu sou o filho mais velho da família, e como o senhor vê, a nossa vida aqui neste lugar tem sido muito difícil; nossos parrerais quase não rendem mais nada. Então é melhor que eu vá tentar a vida numa cidade grande. Vou para Turim, lá já conheço alguns amigos e tendo alguns de nossos parentes, poderei encontrar um bom trabalho e endireitar a vida de todos nós.
A decisão de meu pai foi muito acertada, pois logo começou a trabalhar e ganhar dinheiro e assim recebeu todo o incentivo da família,  indo em seguida também para Turim o meu Tio Domingos.
Turim era uma cidade bonita e com muitas possibilidades, pois era a capital do Piemonte e já então tinha uma população aproximadamente de 130 mil habitantes. Para ela  mudaram-se, nos últimos anos, um número incontável de famílias, sobretudo de camponeses da Região, sempre em busca de trabalho e de um pouco mais de conforto para a vida.
A Turim que hoje para vocês é uma moderna cidade industrial do meu país, vivia naquela época em plena ebulição. Ali pululavam as idéias renascimentistas em busca de uma nova Itália. A indústria se desenvolvia rapidamente e o comércio se tornava cada vez mais próspero, impulsionado pelas riquezas dos senhores. Entretanto a miséria arrastava muitos para as favelas. Contudo, as portas, não se fechavam para aqueles, que com tenacidade buscavam dias melhores.
Rua Dei Pasticereri. Sim, será ali que vou buscar um trabalho, pensou meu pai. Afinal, nesta rua morava a família Secco, muito conhecida e tradicional em Antigno D'Asti, um lugarejo próximo a São Martinho Alfieri. Além de serem grandes comerciantes de queijos, eram também de muita fé.
O intuito empreendedor de meu pai, foi recompensado imediatamente, tornando-se vendedor da indústria de queijos do senhor Secco. Cheio de boa vontade e forjado para o trabalho como era, começou a comercialização de queijos na região e por praças nunca antes frequentadas por vendedores.
Familiarizado com o trabalho e vendendo bem, meu pai constatou:
-  Sinto que tenho mesmo o tino para o comércio, pois já em pouco tempo ganhei muito dinheiro e ganharei muito mais. O senhor Domingos Secco, estima-me muito e assim progredirei ainda mais, e poderei ajudar minha família e até aqueles mais necessitados.
Homem de fé e de freqüência aos sacramentos, ficou logo conhecido na comunidade, sobretudo pelo seu pároco, José Cottolengo da Igreja "Corpus Domini", a qual não era muito distante do local de seu trabalho. Sabedor de suas qualidades e disponibilidade, o pároco não titubeou , e  convidou-o  para ser um dos seus colaboradores.
-Vicente, disse-lhe o ilustre prelado - Já faz um bom tempo que estou organizando uma obra de caridade para nossos pobres e doentes e estou precisando da ajuda de jovens como você.
Sensibilizado pela obra e fascinado pela figura carismática do seu pároco, meu pai com seus 21 anos, começou seu enganjamento logo presenteado para aquela obra de caridade nascente, os primeiros lenções, alegrando assim, muitos daqueles corações carentes.
Os anos corriam e os negócios continuavam prósperos e seu patrão cada vez mais o estimava, a ponto de confiar-lhe boa parte da administração dos negócios.
Com o passar dos anos, meu pai já maduro, precisava tomar uma decisão quanto ao seu futuro, à sua vocação. Por isso o senhor Secco, um dia, chamou-o à parte e disse-lhe:
- Vicente, você já está com seus 31 anos,  portanto precisa pensar um pouco mais no seu futuro,  em uma família. Você tem dado provas ao longo destes anos de ser uma pessoa de confiança e sincera. Sei que Maria Madalena, minha filha e você se amam, então porque vocês não se casam?
Outra luz brilhou naquele momento para o meu pai. Casar-se com a filha do meu patrão, era o que ele há muito tempo desejava porque ele a amava e além do mais, isto consolidaria para sempre o seu trabalho e sua prosperidade.
A proposta do senhor Secco, foi levada a sério por ambos, e bastaram apenas alguns meses de preparação e eis que na mesma igreja de "Corpus Domini" se uniram para sempre.
Mas aquela alegria, os projetos de um futuro feliz, estavam fadados a durar pouco tempo, pois sua querida esposa morria aos 19 de janeiro de 1841 sem ao menos deixar-lhe um filho.
A morte da querida esposa de meu pai, foi um acontecimento inesperado,  portanto um grande golpe, mas seu forte caráter não permitiu que seu espírito empreendedor esmoressesse, e por isso continuara comercializando queijos e ganhando dinheiro. Sozinho, depois da experiência do casamento, sua vida torna-se mais difícil, por isso, depois de um ano da morte de sua esposa, encontrou uma bonita e jovem de apenas 20 anos, de nome Ana Maria Vialle. Também este seu segundo amor era de uma família rica e bastante conhecida em Turim. Esta logo se enamorou deste próspero comerciante e após um tempo de namoro, marcaram o casamento para o dia 26 de fevereiro de 1843, e na igreja de Nossa Senhora da Assunção, receberam a benção nupcial.
Casados, procuraram uma bonita e espaçosa casa na mesma e famosa Rua Dei Pasticieri, esta  em Turim, era lugar comum da residência de príncipes e embaixadores. Era também o ponto de encontro dos artistas e dos comerciantes. Localizava-se ainda ali a conhecida igreja de São Francisco de Assis, e ao lado desta existia um colégio onde o padre José Cafasso, ajudava na formação de aproximadamente 50 sacerdotes, para poder melhor inserí-los na sociedade de então que além de exigente, era pragmática, agnóstica e marcada pela semente da maçonaria. Dentre estes jovens sacerdotes, encontrava-se também Dom Bosco que certamente conhecia o meu pai.
Neste ambiente meu pai e sua esposa compartilhavam as experiências e os projetos. Meu pai tinha uma vivência de 18 anos de trabalho em Turim e possuía consequentemente, uma boa posição econômica e social, entretanto seu espírito dinâmico e irriquieto procurava e queria ainda mais.
- Maria, disse-lhe certo dia meu pai,  fiquei sabendo que o Marquês Miguel Benso di Cavour,  o atual chefe da polícia de Turim, concedeu permissão para todos os trabalhadores, de exercerem suas profissões fora de nossa região. Vou aproveitar esta oportunidade para estender o nosso comércio fora daqui,  quero chegar até a Suissa.
- Sim Vicente, você é ainda jovem e com  seu espírito empreendedor poderá conseguir muita coisa, Ficarei aqui conduzindo as nossas vendas, enquanto não chega o nosso bebê.
O ano transcorria conforme tinham planejado. Ambos sabiam que à medida que se aproximava o clima das festas natalinas,  chegaria o filho primogênito.
E assim aconteceu. No dia 26 de dezembro de 1843, às 09 horas, enquanto ainda os sinos das igrejas da capital Sabáuda  repicavam, manifestando a alegria do nascimento do Deus feito homem, para a humanidade, vinha ao mundo um bonito e robusto menino dando alegria para toda a família  Marello. Este menino era eu. Imediatamente meu pai foi comunicar aos meus avós, em São Martinho Alfieri, a feliz notícia.
- Papai, disse ele ao meu avô, hoje eu sou pai! nasceu o seu primeiro neto e eu quero que o senhor e a  mamãe, venham ainda hoje comigo para Turim, porque nós já decidimos que ainda hoje nosso filho será batizado. Está tudo combinado com o nosso pároco da igreja de "Corpus Domini"e o batizado está marcado para às 18 horas, e vocês serão os padrinhos.
Meus avós radiantes de alegria se preparam e  em seguida acompanharam meu pai para Turim.
Ainda naquela tarde meu nome foi escolhido. Mamãe preocupada com meu nome perguntou a papai:
- Vicente, qual será mesmo o nome que daremos ao nosso filho?
- Vamos chamá-lo com o nome de meu pai: José Chiaffredo, acrescentando também Estevão, em homenagem ao Santo que hoje celebramos.
Portanto, meu nome estava escolhido: José Chiaffredo Estevão Marello.
Naquele mesmo dia acompanhado de meus pais, meus avós e de alguns amigos da família, na igreja de "Corpus Domini", que desde 1453 tinha sido palco da realização de um dos milagres eucarísticos, onde depois que o hostensório com a Sagrada Hóstia, fora roubado por dois soldados de Ludovico de Savóia para vendê-lo, foi recuperado, quando era transportado, escondido numa carga sobre um burro e este, ao passar diante do lugar sagrado da Igreja, caiu por terra. A hóstia consagrada, imediatamente elevou-se radiante, diante da multidão atônita. Desceu depois nas mãos do bispo de Turim, em meio aos fiéis em oração.  Fui batizado neste dia e tornei-me filho de Deus e da Igreja.
Quase quatro anos depois do meu nascimento, meus pais felizes e unidos, foram presenteados com  mais um filho no dia 27 de maio de 1947. Este foi meu único irmão, e recebeu o nome de Vittório Marello.
Era  uma família realizada, com  planos e esperanças. Mas eis que de repente surgem as adversidades.Desencadeia-se uma ferrenha revolução que se propagou em pouco tempo por toda a Europa. Ela trouxe a instabilidade, não apenas para a minha família, mas para todas, tornando-as inseguras e ameaçadas. Paris, Berlim, Viena se envolveram e com isto, também a Itália através de seu Rei Carlos Alberto , declarava no dia 23 de  março de 1848, guerra contra a Áustria.
Entretanto, não foi somente por esta provação que passamos, pois somando-se  a esta contemporaneamente minha mãe caia gravemente enferma, de sorte que todas as tentativas para salvá-la eram inúteis, fato este que deixou meu pai profundamente  abalado e consternado. Eu era ainda pequeno e pouco compreendia o que estava acontecendo, mas via as lágrimas cairem dos olhos de meu pai, assim como também as suas orações  elevarem-se até aos céus. Porém os desíginios de Deus, eram outros, pois ele queria que minha estimada e santa mãe fosse para junto Dele para sempre.  Assim, depois de alguns meses, aos 05 de abril de 1848, na plena flor da idade, com apenas 24 anos , partiu para a eternidade, deixando órfãos a mim  e o meu irmão Vittório, com apenas poucos meses, e o meu pai viúvo pela segunda vez.
Sim, pela segunda vez, meu bondoso pai tinha-se tornado viúvo. Os dois amores de sua vida, como duas flores perfumadas tinham enfeitado por pouco tempo a sua vida. Meu pai passava, então por  profundos questionamentos e certamente perguntou-se:
- E agora como vou  fazer?  Quem cuidará de meus filhos? Como ficam os meus negócios? A minha vida?
Perguntas pertinentes para um homem decidido e sempre à busca do sentido para sua vida. Mas, assim como quando ainda jovem, uma luz o iluminou para tomar uma decisão que mudou o rumo de sua vida, quando resolveu mudar para Turim, assim também uma nova luz, voltava a brilhar para guiá-lo e fazê-lo tomar uma decisão prudente e segura.
Veio-lhe ao encontro Catarina Secco, irmã de  sua primeira esposa e esta se ofereceu para cuidar de mim e de Vittório. Meu pai que continuava sendo sempre estimado pela família Secco e com a qual sempre manteve um estreito relacionamento, mesmo depois da morte de sua primeira esposa, aceitou a generosa disponibilidade de Catarina, que se tornara nossa segunda mãe, continuando o mesmo estilo educativo de minha mãe, conduzindo-nos ao amor de Deus e à Virgem Maria, o que cristalizará na alma de nós dois, ainda crianças, uma verdadeira vida cristã.
Depois da morte de minha mãe, vivemos ainda quatro anos em Turim. Neste período, portanto durante meus nove primeiros anos, vivi no contexto daquela grande cidade. Ali ainda criança, comecei a participar das missas na igreja  de "Corpus Domini". Ali conheci o acontecimento do milagre eucarístico, toquei  aquele lugar onde ele ocorreu e pelos exemplos de meu  pai e de minha "segunda mãe", aprendi a amar Jesus escondido no sacrário. Foi ali mesmo aos pés do altar de Nossa Senhora, onde diante da imagem da Virgem, José Cottolengo tinha iniciado em 1828 a sua  grande obra de caridade para com os pobres e doentes para os quais eu, muitas vezes, ajoelhei-me e rezei.
Neste clima eu respirei aquele ar e perfume de santidade dos  grandes santos Torinenses tais como: Cottolengo, Cafasso, Bosco, Faà de Bruno e tantos outros.
Foi sem dúvida também ali neste ambiente que aprendi amar a Virgem Santíssima e passei a cultivar-lhe uma devoção e afeição que acompanhará durante toda a minha vida, escolhendo-a como minha mestra e guia.
Eu e meu irmão, crescíamos muito afeiçoados por Catarina Secco e ela também por sua vez nos amava muito dedicando-se completamente ao nosso crescimento e educação. Sendo jovem, ela devia esposar-se , mas não queria deixar-nos, por isso pediu a papai:
- Vicente, estou para esposar-me, gostaria de deixar as portas abertas para os seus negócios, por isso quero adotar José e Vittório como meus e levá-los comigo.
Mas, meu  pai, embora enfronhado no  trabalho, não nos esquecia e nos amava muito, e assim respondeu à minha querida Catarina.
- Eu lhe agradeço muito minha bondosa cunhada, sou muito reconhecido pelo que você fez por mim e pelos dois meninos, durante estes anos, mas eles são meus filhos, devo tê-los comigo. Estive pensando muito e resolvi voltar morar novamente em São Martinho, junto de meus pais. Ali os dois crescerão em contato com a  natureza, em meio aos parrerais e ao sol benéfico das colinas. Além do mais, Turim está ficando cada vez mais uma cidade grande, complicada e difícil de se viver.
O pensamento de meu pai, foi concretizado logo em seguida, e no início de 1852 transferimo-nos  para São Martinho, onde papai adquiriu uma  casa e alguns bens e voltou à vida de agricultor. A orfandade de mãe, minha e de meu irmão, tinha levado meu  pai deixar sua carreira de comerciante para pensar em nós.
Meu novo ambiente agrícola e diferente da grande cidade, tornou-me mais livre e passei a viver juntamente com meu irmão na companhia de papai, dos meus avós e do meu tio João.
Eu, aos nove anos, começava uma  nova experiência em  minha vida. Papai tinha comprado uma  grande casa e lembro-me que havia na entrada um bonito portão, um jardim com  muitas plantas e roseiras. Tudo isto protegido por um  grande muro que separava da estrada. O quintal era espaçoso e do fundo dele se podia contemplar o vasto vale do Tânaro que descortinava a visão até aos Alpes.
Desde quando ali cheguei, passei a considerar aquele lugarejo como  minha cidade, que até então se chamava São Martinho, mas que no final do século passaria a ser conhecida como São Martinho Alfieri, em  homenagem a  uma ilustre família que possuia um castelo bem no centro da cidade.
Meus avós eram muito bons para comigo e para com meu irmão. Papai era muito preocupado com  nossa saúde. Dentre boas recordações destes anos em São Martinho, não me esqueço dos pratos de talharim que a empregada nos preparava com carinho.
Como menino esperto e saudável, comecei fazer minhas amizades; aos poucos fui conhecendo o povo do lugar e é claro,  o caminho  para a escola e  para a Igreja, tornando-se assim o meu itinerário de todos os dias.