Dom José Marello, uma pérola escondida (Parte IV - RUMO A ACQÜI)


Parte IV - RUMO A ACQÜI
DOM JOSÉ  MARELLO
UMA PÉROLA ESCONDIDA
Pe. José Antônio Bertolin, OSJ

Sentia-me feliz e realizado com a existência e a caminhada da nova Congregação, sobretudo porque estava cumprindo meu desejo primordial que era aquele de prestar ajuda à Igreja de Asti.
Porém meu espírito sempre irrequieto pelo apostolado desejava muito mais, eu queria alargar as possibilidades no serviço do Senhor,  de um modo especial na pessoa dos irmãos mais necessitados, mas para isto era necessário maiores estruturas. Surgiu então a possibilidade de  adquirir um Castelo de Asti que tinha sido uma antiga moradia dos bispos na idade medieval, porém ponderando tudo afinal de contas valia apena empatar o minguado dinheiro e os poucos meios naquele capital. Descartada esta idéia, veio-me a possibilidade de adquirir uma antiga construção que tinha servido para a fabricação de vinho em Asti e que há muito tempo estava desativada. Meu intuito era fazer daquele  lugar um Centro de Evangelização para a juventude, mas não pude concretizar esta idéia porque logo em seguida Deus destinou-me para outras paragens.
Pensei até em uma Congregação religiosa feminina para  trabalhar começando por Santa Chiara, mas os  tempos não estavam maduros para aquele passo.
Na verdade, Deus quis que eu fosse lhe servir concretamente em outra sua vinha e assim, aos 23 de  novembro de 1888 eu recebia  de Dom Ronco um  comunicado do Papa Leão XIII nominando-me bispo de Acqüi.
Minha primeira reação naquele momento foi de felicidade, mas ao mesmo tempo de renúncia ao responsável encargo. Parei para pensar muito em todas as consequências, conversei com alguns amigos, inclusive foi pedir  conselhos e luzes ao Cardeal Alimonda de Turim. Depois, movido pela obediência à Igreja e ao Papa, disse o meu sim.
Dito o sim, tive apenas uns quarenta dias  para arrumar tudo e que era preciso, principalmente no que se referia à Congregação. Depois viajei para Roma onde tive uma audiência com o Papa. Visitei e  rezei em muitas Igrejas, e por fim fiz meu retiro de preparação ao episcopado junto aos jesuítas.
No dia 17 de fevereiro de 1889 eu era consagrado bispo pelas mãos do Cardeal La Valletta, na Igreja da Imaculada Conceição dos padres Capuchinhos, na  via Veneto em Roma.  Foi à exemplo de minha ordenação sacerdotal um dia imemorável e cheio de emoções.
Naquele mesmo dia enviei minha primeira carta à diocese de Acqüi e no dia seguinte uma outra a todos  os de Santa Chiara.
Permaneci em Roma mais uma semana em companhia de meu pároco, Pe. João Batista Torchio, onde cumpri alguns compromissos inerentes ao novo estado  e para visitar outros lugares. Depois disso, no dia 26 de setembro, chegava  à Asti, onde meu primeiro compromisso foi visitar Dom Ronco e celebrar algumas missas, dentre as quais uma no Santuário de Nossa Senhora do Portão, na cidade de Asti e na Igreja de Santa Chiara. Visitei também meus bons amigos de juventude, Riccio,  Delaude, Rossetti e Motta.
Tocava-me então celebrar minha primeira missa como bispo em São Martinho. Também este acontecimento foi  para mim um dia inesquecível junto com meu povo naquele domingo de Páscoa do dia 21 de  abril. Ali fui recebido com muita festa e no dia seguinte crismei 121 rapazes e moças. Depois tirei alguns dias para ficar junto com meus  parentes.
E assim eu começava o meu ministério episcopal, cheio de muitas celebrações, reuniões e  preocupado com a preparação de minha primeira  carta pastoral aos fiéis da diocese de Acqüi. Mas somente no dia 16 de junho, depois do "Regio exequatur" pela posse da sede episcopal, é que ingressei em minha nova diocese sendo recebido por uma multidão que tratou-me com  grande carinho e amor. Comovido celebrei na catedral diocesana minha primeira missa como bispo daquela diocese, acompanhado pelos padres, seminaristas, religiosos e religiosas e do povo que se acotovelava dentro da Igreja e por toda a praça. Agradeci naquela oportunidade a gentil recepção que tinha tido e pedi a colaboração de todos, assim como me dispus a servir todos com o coração de Cristo.
Depois do meu ingresso na Diocese, minha primeira visita foi ao seminário diocesano que tinha aproximadamente 170 seminaristas. A formação destes jovens para o sacerdócio foi minha  grande preocupação, pois ali estava a esperança dos apóstolos do amanhã.
Minha preocupação foi também logo de início conhecer todos os sacerdotes da diocese e confirmar no cargo de Vigário Geral o Pe. Pagella que era muito vivaz e gostava de manter a cadência da diocese com rédeas curtas.
Iniciei meu ministério imediatamente com muito trabalho, feito de reuniãos, visitas, funções litúrgicas nas  diversas igrejas, além dos discursos, as conversas com as personalidades da cidade .
Eu tinha pleno conhecimento dos problemas mais graves da sociedade de então e portanto quis de imediato organizar na diocese a Ação  Católica, mas infelizmente em Acqüi não existiam homens preparados para este movimento. Além disso, pude contar muito pouco com o apoio de Pe. Pagella.
Em minha primeira carta dirigida à diocese, agradeci a alegre acolhida do povo e junto com a mesma, acompanhava a Enciclica de Leão XIII "Quanquam Pluries" na qual o Papa denunciava a perseguição contra a Igreja e a confiava à proteção de São José, incentivava a oração do terço como devoção à Nossa Senhora. Foi a partir desta Encíclica Papal que eu tornei-me um grande divulgador  da oração "A Vós São José", com a qual Leão XIII concluia a sua Encíclica.
A vida diocesana começou pouco a pouco tomar cadência segundo o estilo que me era próprio. Esforçava-me o quanto podia para manter o diálogo e a afabilidade com todos os  padres, assim como para com os seminaristas e fiéis, e isto rendia-me um ótimo resultado,  de sorte que encontrava-me muito bem com este meu estilo e constatava bons frutos. Para mim era uma grande alegria saber que aos poucos estava cativando o coração de meus sacerdotes. E o clero, antes fechado e receioso, começava manifestar um particular afeto e  consideração pela minha pessoa.
Na verdade, eu tinha me jogado completamente para o serviço da diocese, fazendo tudo o que podia e  por todos, sem esquecer-me dos meus Oblatos de Santa  Chiara. Minha preocupação era para que todos os fiéis da diocese sentisse o benefício da cura divina  através do sacramento da confissão e que se fortificassem constantemente com a Eucaristia. Por isso, em minha segunda Carta Pastoral de 02 de fevereiro de 1890 convidei todos os cristãos para buscarem este encontro com Cristo e viverem na sua graça. Ao mesmo tempo pedia aos padres que se esforçassem para serem centros de oração junto a Jesus na Eucaristia, que fossem lugares de catequese, de encontro com Deus e de  santificação através da administração dos sacramentos.
A esta altura dos acontecimentos já havia passado mais de um ano que eu tinha me tornado bispo daquela vasta região de Acqüi. Devia portanto, iniciar as visitas pastorais em todos os recantos da diocese. Organizei-me e dei inicio a esta  grande peregrinação cansativa, mas gratificante. Passei por conseguinte, através destas viagens a encontrar-me pessoalmente com os  padres, os religiosos e religiosas. Todos os dias deparava-me com centenas de fiéis, confortando os doentes, discursando e falando com as  autoridades. Eram palavras de conforto, incentivo e esperança aos sacerdotes cansados e desanimados, aos pobres, doentes e idosos abatidos, aos jovens e crianças esperançosas. Eram muitíssima instruções, celebrações da Santa Missa, administrações de Crisma e inúmeras atividades episcopal. Foram caminhadas a pé, à cavalo, com o trem ou com a charrete, não importava, tudo isto me fazia bem  e feliz.
Desde jovem eu bem sabia que nem o liberalismo, nem o social-comunismo podiam resolver os problemas da sociedade, por isso, quando Leão XIII, publicou a Encíclica "Rerum Novarum", aos 15 de  maio de 1891 com a qual apontava a solução para os problemas sociais, imediatamente divulguei-a na diocese, declarando abertamente a todos que somente Jesus Cristo é a solução de todos os problemas, também daqueles de ordem social e que não só os operários, mas todos os homens tinham sempre a necessidade da celeste sabedoria do evangelho.
Durante as minhas visitas pastorais pela diocese estava cada vez melhor, pois conhecendo o meu povo, a sua fé, as suas ansiedades e seus corações bondosos. Tinha diante de meus olhos uma infinidade de crianças e de jovens que precisavam de uma educação sadia, muito mais porque eram frequentemente influenciados pela ideologia ateista  do estado. Aquela situação transportava-me para os meus idos anos de juventude onde corria o sério perigo de perder a fé. Pensando em tudo isto, senti a necessidade de dedicar a minha quarta carta pastoral aos pais cristãos, enfatizando a educação da juventude.
O Estado dava a escola gratuita, mas a queria vagamente teista, contrária  aos princípios do catolicismo. Este modo de educar, cultivando apenas o intelecto não era suficiente e além do mais prejudicial, porque faltava a educação cristã do coração.
Aos pais portanto, fiz um premente apelo aconselhando-lhes tomarem muito cuidado com a educação de seus filhos, sendo que eles próprios eram os primeiros educadores. Pedi-lhes de que lembrassem sempre que os filhos eram sempre um dom de Deus, e que eles portanto, desde o nascimento têm o direito de  receberem toda a atenção e uma boa educação.
Assim como eu procurava não descuidar da formação de todos os meus diocesanos, não deixava também de estar presente mais do que fisicamente, com minhas palavras, conselhos  cartas entre os meus Oblatos de Asti. Queria sempre que em Santa Chiara reinasse o clima da família de Nazaré, da humildade, simplicidade  e obediência, da vida escondida na oração e na laboriosidade dos interesses de Jesus. Entretanto, as solicitações para os Oblatos ajudarem nas paróquias sempre eram uma constante, chegando ao ponto de não ter mais nenhum Oblato disponível e com isto, algumas paróquias tornaram-se verdadeiros centros do apostolado dos Oblatos.
No ano de 1893 eram cinco as paróquias confiadas ao pastoreio dos sacerdotes Oblatos. Este era efetivamente o estilo disponível e obediente que os membros da Congregação oferecia ao bispo mesmo que isto custasse muito a todos  os membros. Dom Ronco sempre enviava os meus sacerdotes Oblatos como "ecônomos" naquelas paróquias mais pobres,  pequenas, desprovidas de todas as estruturas e subsistência. Este trabalho relevante na Diocese de Asti, nem sempre era reconhecido, porém eu sempre aconselhava aos Oblatos que vivessem o espírito de obediência, humildade e renúncia. Aconselhava-lhes ainda dizendo: "de nossa parte deixemos que o prato da balança penda sempre do lado da autoridade e poderemos esperar que Deus Autoridade Suprema em mil maneiras fará com que a mesma balança, sem que os outros percebam, pena a favor da nossa causa."
A Povidência Divina nos abençoava de  fato com novas vocações, sobretudo porque o cuidado especial que os Oblatos, dedicavam com a juventude com a instrução catequética e os oratórios festivos atraia muitos jovens para o seminário, tanto é  verdade que no início de 1892, a Congregação sentia a necessidade de mais uma casa para a formação. Surgiu então por um acaso um velho castelo em  Frinco com a capacidade para 90 quartos e muito espaço apto para a formação dos jovens. Não titubiei e comprei-o por 12.500 liras e logo em seguida foi ocupado por um bom grupo de  noviços e outros estudantes. Infelizmente a  aquisição deste  castelo veio gerar polêmicas com os dirigentes da "Pequena Casa de Turim", os quais pensavam ter os direitos sobre a propriedade de Santa  Chiara por haverem contribuído inicialmente com uma pequena soma para a sua compra e porque ali ainda trabalhavam as irmãs Vicentinas do Cottolengo, como se fosse uma sua casa sucursal.  Esta polêmica  tive que presenciá-la e sofrer com ela até o fim de minha vida e isto desgastou-me tremendamente,  tanto psicologicamente como fisicamente.  Sofri muito, mas não perdi em nenhum momento a confiança em Deus e em São José. Naquela situação  constrangedora parecia que uma escuridão envolvia todos os membros da Congregação, mas todos rezávamos para que a luz um dia brilhasse.
Em dezembro de 1894 enviei à Santa Sé meu segundo relatório sobre a minha diocese. Com  humildade e sinceridade afirmei que minha preocupação tinha sido aquela de  pregar os ensinamentos de Jesus Cristo aos fiéis da  diocese. A formação religiosa às crianças embora fosse  favorecida pela lei do estado, esta era contudo bastante presente graça ao empenho dos párocos, sacerdotes e catequistas. Tive também uma preocupação com a formação dos sacerdotes e para eles organizei encontros mensais de formação teológica todos os anos de novembro  a julho, onde  participavam também os seminaristas clérigos.
Quanto ao clero, em meu relatório declarei que reinava grande zelo apostólico não poupando sacrifícios. A respeito dos religiosos coloquei que estes se colocassem como  uma  grande força, colaborando nas confissões e pregações. Graças à  presença de 46 casas de irmãs religiosas na diocese, a instrução e a formação religiosa das  meninas era realizada nas escolas públicas e  particulares, assim como a assistência aos doentes nos hospitais e o cuidado com as crianças nas creches.
As vocações no Seminário estavam florescendo. Naquele ano, o seminário de Acqüi contava com 178 seminaristas dos quais 25 eram filósofos e 57 teólogos. O seminário era bem conduzido e uma de minhas principais peocupações.

Quando assumi a diocese havia uma relativa presença do laicato católico e esta fiz questão de mantê-la e promovê-la mais. Assim, contávamos no presente ano em curso com 12  sociedades católicas, muitas escolas católicas femininas e  particulares. Tínhamos também as conferências de São Vicente, Associações das Damas de Caridade, Oratórios festivos  masculinos e femininos, outras diversas associações de caráter religioso, organização de cooperativismo agrícola  e muitos mais.
Como pastor da vasta diocese, restava-me ainda duas visitas pastorais para realizá-las. Embora eu estava sentindo a precaridade de  minha saúde abalada  nos últimos meses, fiz minha última visita pastoral em Casinasco e  consequentemente meus últimos passos dentro da diocese. Era o fim do mês de abril.
Em seguida fiz um grande esforço para participar em Alessandria da festa de Nossa Senhora "Dalla Salve", a convite do meu amigo Dom Salvay. Em Alessandria preguei e presidi celebrações  marianas e muito embora não desse demonstrações, sentia-me profundamente abatido fisicamente e com uma hemorragia muito séria. Sentia que a hora de partir para a eternidade estava chegando, por isso esforcei-me ao máximo para cumprir os compromissos que tinha assumido, sobretudo procurei ficar bem perto de meus Oblatos que estvam sentindo e sofrendo o peso da problemática entre Santa Chiara e a "Pequena Casa de Turim".
O último compromisso que  cumpri foi precisamente fora de minha diocese  junto aos padres  Escolopianos em Savona por ocasião do 3º Centenário da morte de São Felipe Neri. Embora não me sentisse bem e até fosse aconselhado por meu secretário Pe. Peloso de não ir à Savona, mesmo assim quis honrar o compromisso assumido junto aos bons padres Escolopianos. Viajei para lá de trem e no dia 26 de abril celebrei a missa   solene pela festa de São Felipe Neri, e embora tivesse sofrido um pequeno desmaio, após a celebração tive forças para à tarde dar a benção com o Santíssimo.
No dia seguinte, sentindo-me um pouco melhor fui fazer uma visita ao Santuário de Nossa Senhora da Misericórdia, onde no distante verão de 1856 tinha sentido o desejo de consagrar-me a Deus para sempre como sacerdote. Ali celebrei a minha última missa. De volta, passei na  residência episcopal para saudar Dom Borraggini que  apenas tinha chegado  de um compromisso fora de sua diocese. Mas, sentia-me mal e parecia-me que tinha uma carapuça de chumbo sobre a minha cabeça, estava exausto embora tentasse não apresentar o meu estado clínico.
Os médicos, Dr. Zunini e Costamagna examinaram-me e desaconselharam que eu voltasse naquele dia para Acqüi, embora eles não tivessem  individuado nada de grave em mim; apenas pediram que eu descançasse. Porém meu estado de saúde se agravou no dia seguinte a tal ponto de chegar a não reconhecer mais ninguém. Todos ficaram alarmados, estava à beira da morte e por isso  bondosamente me deram a unção dos enfermos. Finalmente no dia 30 de maio às 18:30h deixava este mundo e podia contemplar plenamente Deus.
Esta foi uma panorâmica e ao mesmo tempo uma síntese de minha vida que nada tive de extraordinário aos olhos do mundo. Apenas esforcei-me para ser fiel a  Deus  e no serviço aos irmãos. Esforcei-me para fazer bem as coisas do dia a dia da minha vida.
O Senhor foi muito bom para comigo, deu-me a força e os meio para viver e praticar as virtudes cristãs de modo particular e por fim concedeu-me a honra dos altares, após um longo processo sobre minha vida, no dia 26 de setembro de 1993, onde o Papa, representante de Cristo perante uma enorme multidão declarou-me Bem-Aventurado, na cidade de Asti, onde vivi e  trabalhei quase toda a minha vida.
Hoje como Bem-Aventurado, sou proposto para toda a Igreja como um modelo e um exemplo para ser imitado assim como  um intercessor a recorrer nas necessidades da vida