Dom José Marello, uma pérola escondida (Parte II - DE COROINHA AO SEMINÁRIO DE ASTI)

Parte II - DE  COROINHA AO SEMINÁRIO DE ASTI.
DOM JOSÉ  MARELLO
UMA PÉROLA ESCONDIDA
Pe. José Antônio Bertolin, OSJ.
Num daqueles dias ensolarados e gostosos das colinas são martinenses, enquanto ainda brincava com meu irmão, meu  pai chamou-me e disse:
- Filho, você já está grandinho e neste ano deverá frequentar a escola. Já providenciei tudo e posso até dizer que seu professor será o Pe. Silvestre Ponzo, você vai gostar muito dele.
O Pe. Ponzo, era natural de Castelnuovo Calcea, e  além de amigo dos alunos, sabia ensinar muito bem. Ele foi durante todo o primeiro grau o meu professor.
Naquele ano comecei frequentar a escola e  passei a gostar muito do Pe. Ponzo, tanto é verdade que quando terminei o curso, cheguei a escrever no meu caderno que conservo até hoje, estas  palavras sobre este meu primeiro professor:
"Nunca me esquecerei do amor e da bondade que o senhor sempre demonstrou. Eu o lembrarei todos os dias  com muito carinho, e gostaria de provar-lhe o  quanto sou-lhe grato e o quanto de afeto eu lhe tenho e terei para sempre."
Bem ambientado no grupo escolar, comecei distinguir-me dentre os meus companheiros pela minha inteligência e vivacidade  assim como  pelo empenho nos estudos, o que proporcionou-me uma superioridade dentre meus colegas, motivo este de muita alegria para meu  pai. Isto valeu-me este conselho:
- Meu filho, eu sei que na escola todos gostam muito de você, justamente porque você é educado, estudioso, bondoso e preocupado com todos. O Pe. Ponzo está muito contente com você. Eu quero que continues assim e o seu futuro será muito próspero.
- É verdade. Papai disse-me uma coisa muito certa, pensei comigo mesmo. Mas não farei disto motivo de orgulho ou vaidade. Ainda esta noite, agora que estou com dez anos, vou escrever com letras bem visíveis no meu caderno, este pensamento que passou pela minha cabeça:
"Um lampadário cheio de óleo brilhava e estava assoberbado pela sua própria luz, quase parecendo ser mais luminosa que a luz do sol. Mas de repente veio um vento e o apagou... Isto quer dizer que não podemos nos ensoberbecer pelas nossas qualidades."
O professor Pe. Ponzo, admirava e reconhecia as minhas qualidades, assim como também meu jovem pároco, Pe. João Batista Torchio, um sacerdote enamorado de Deus e um  verdadeiro pai para todos os paroquianos.
Comecei frequentar a paróquia com meu  pai e meus avós. Eu gostava de escutar as homilias de Pe. Torchio, e sempre tirava um tempinho após a missa para rezar com os olhos voltados para o sacrário.
Meu bom comportamento e a freqüência nas liturgias chamou a atenção de Pe. Torchio que logo convidou-me para ser coroinha. Passei então a ajudar e a servir ao altar,e contemporaneamente iniciei a  catequese em preparação à minha primeira comunhão. Isto fez com que eu intensificasse minha presença na paróquia, passando a participar da missa todos os dias.
Meu tirocínio de formação catequética continuará até o dia 15 de agosto de 1855, festa de Nossa Senhora da Assunção, quando acompanhado de outros 290 colegas, recebi a Crisma, pelas mãos de Dom Felipe Ártico.
Depois da festa paroquial e de uma  outra feita em casa, P. Torchio fez-me o convite para ser catequista dos menores. Radiante pelo convite, refleti sobre tal responsabilidade e disse a mim mesmo:
- Agora, que já estou crismado, tenho a obrigação de ser um pequeno apóstolo de Cristo. Devo levar os outros à Deus, ao  catecismo, à Igreja... Sim, esta já era a minha vontade e o Pe. Torchio intuiu o meu desejo. Embora eu  tenha ainda 11 anos ele achou-me capaz desta responsabilidade. Aceitarei o convite e procurarei fazer  o melhor possível.
Assim comecei minha nova tarefa. Preparava bem as lições sob a orientação de meu pároco e até cheguei a escrever em meu caderno de preparação ao catecismo uma tese sobre a existência de Deus,  onde descrevi um diálogo entre um jovem laureado que em nome da  ciência tentava negar a existência de Deus e uma criança do 3º ano escolar, que o questionava sobre quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha. E em base ao chamado  "princípio da causalidade", o jovem laureado foi forçado a admitir a existência de Deus.
Minha ocupação não compreendia apenas os assuntos relacionados à escola e à igreja, mas sentia meu coração sensível e inclinado para com  os pobres e os doentes.
Gostava de ajudá-los e visitá-los. Durante toda a minha  adolescência tive diante de meus olhos as cenas tristes da mendicância e ao procurar ajudá-los, sentia aquela minha atitude que estava diante de Jesus sofredor.
Lembro-me de uma cena que tocou de perto meu coração ainda adolescente:
- Um dia estava passando pelas ruas de São Martinho um pobre velho mendigo. Alguns de meus colegas, ao vê-lo, começaram a caçoar e rir dele. Ao ver isto, quase que por um impulso fui em sua defesa, conduzi-o até a minha casa, e dei-lhe comida e um pouco de roupas.
Mas não pensem que somente eu  fazia estes pequenos gestos de caridade. Eu  conheci outras pessoas que  faziam isto também. Lembro-me de um menino que todos os sábados levava um pouco de vinho a um velho doente. E ainda de um outro que ao invés de  querer um sanduiche pelo seu café  da manhã, pedia à sua mãe que lhe desse uma moeda cada dia, e assim, todos os domingos levava este dinheiro que economizava para um velhinho que comprava um pouco de  carne para o almoço do domingo. (1)
O exemplo da bondade e do coração generoso de José será depois, mais tarde confirmado pelo seu irmão Vittório:
- Meu irmão em casa era muito obediente ao nosso pai e  avós. Gostava do recolhimento, do silêncio e de ler bons livros.
Não era um menino de diversões e de sair de casa. Mas nunca se esquecia de ir logo pela manhã à missa e de rezar com devoção. Além do mais, era muito caritativo para com os pobres. Educado e inteligente, era sempre o primeiro da classe.
Tinha muitos colegas, e um deles, companheiro de classe, o recordará com estas palavras:
"José tinha uma boa índole, um  temperamento calmo e era tímido, mas sempre estava de bom humor. É simplesmente impossível exprimir com  palavras o tamanho de sua bondade.
Nas férias de 1856, eu tinha terminado de cursar o 1º grau e de  modo brilhante. Meu pai, orgulhoso pelo meu bom desempenho resolveu, premiar-me com uma viagem à cidade de Savona. Era a primeira vez que eu faria uma viagem considerada longa, assim como iria conhecer novos lugares e também o mar.
Em Savona passeei bastante e conheci vários lugares, mas particularmente dois destes marcaram profundamente a minha sensibilidade. Um deles foi o Palácio  episcopal onde o Papa Pio VII tinha sido prisioneiro de Napoleão. Ali meu pai explicou-me que o Papa tinha sido feito prisioneiro no dia 06 de julho de 1809 e depois de conduzido, diante do General Miolly, ficou durante 3 anos prisioneiro dos seus inimigos, sendo depois, deportado para a Fontanebleau. O outro lugar foi o Santuário de Nossa Senhora da Misericórdia, onde Nossa Senhora tinha aparecido para Antonio Botta no ano de 1536.
Estes dois lugares, marcaram-me de maneira especial. Deixaram-me vibrando de afeição pelo Papa e pela Igreja. Lembro-me que no Santuário, rezei ajoelhado diante da Imagem da Mãe de Deus. Fiz um longo e silencioso colóquio com ela. Não me lembro o que falei, só sei que meu pai já tinha visitado tudo e estava impaciente me esperando. Senti-me tomado e envolvido pela sua  proteção e ao mesmo tempo bateu forte dentro do meu coração uma voz, que dizia:  Devo ser um padre!
Papai, apressou-se em mostrar-me mais alguns lugares da cidade e depois juntos fomos até a estação ferroviária, pois já era hora de tomar o trem e voltar para São Martinho.
Porém, meu pai percebeu em mim algo de estranho,  talvez porque meu silêncio era mais forte e acentuado do que aquele a que comumente eu era acostumado. Porém não lhe disse nada. Foi só ao longo da viagem que enchi-me de coragem e disse-lhe que estava pensando seriamente de ingressar no seminário e seguir a carreira eclesiástica.
Estas minhas palavras foram uma ducha de água fria em cima do meu bondoso pai.
- Meu filho, eu nunca imaginei esta carreira para você. Sempre lhe vi como um perfeito modelo de comerciante, embora você não seja de falar muito. Eu vejo para você uma boa carreira para o comércio.
Não contestei as observações de papai, mas também não lhe dei esperanças de que um dia poderia ser um comerciante. O certo é que durante todas aquelas minhas férias de verão, não me fugia da  mente o  impelente desejo do chamado ao sacerdócio.
Precisava comunicar este meu desejo para alguém, além de meu  pai. Desejava abrir-me, aconselhar-me, decidir-me. Por isso, fui conversar com meu pároco, Pe. João Batista Torchio, e ele incentivou-me muito dizendo-me que eu tinha a vocação sacerdotal.
Depois do aconselhamento com Pe. Torchio, decidi-me  comunicar a papai que  resolvi ir, após às férias, para o Seminário de Asti. Ele sofreu com esta minha decisão, porém não se opôs e procurou providenciar tudo o que eu precisava para ser um seminarista. Com o sim de meu  pai, comecei preparar-me para a nova aventura, sempre com aquele firme pensamento: Eu serei um padre.
Enfim chegou o dia esperado; era 31 de outubro de 1856. Eu tinha meus 12 anos completos. De  malas nas mãos, fui cordialmente recebido pelos superiores do seminário de Asti. Logo, enturmei-me com outros seminaristas que como eu tinham o mesmo pensamento.
Minha primeira visita juntamente com os meus colegas foi ao nosso bispo Dom Felipe Ártico, um bondoso homem que desde 1849 estava em Castelo Di Camerano. Tinha sido vítima da perseguição implacável à igreja. Foi assim que eu comecei a minha caminhada de aspirante ao sacerdócio; diante de um mártir, vítima da perseguição por causa de Cristo.
Instalado no seminário,naquela mesma semana eu iniciava juntamente com outros 25 colegas de classe, as aulas. Tinha recebido o hábito religioso e também algumas instruções práticas do clérigo João Boeri, designado pelos superiores como responsável pelo grupo. Este, já no primeiro dia de aula  marcou duas notas para mim, uma pela aplicação aos estudos e a outra pelo meu comportamento. Pelas ambas,  recebi dez.
Eu tinha deixado o meu ambiente familiar, a minha liberdade das colinas de São Martinho, meus amigos e meu povo simples, mas sentia-me muito contente. Era um novo mundo  para mim, sentia o ambiente do seminário um pouco autero, afinal eu não estava acostumado com regulamentos e horário para tudo, mas não só era consciente, assim como  também informado de que tal procedimento era necessário para a condução, daquela centena de seminaristas que formavam o seminário.
Nosso responsável pelos estudos era o Cônego Carlos Vassallo, um padre de grande valor que dava muita importância para a formação humanística  filosófica dos seminaristas.
Embora eu sempre fosse aplicado nos estudos e assim permanecesse, os resultados do meu 1º ano escolar no seminário não foram dos melhores. Recebi apenas um dez em  disciplina e comportamento. É claro que contribui para esta baixa, um pouco de doença, que nos últimos meses, prejudicou-me nos estudos.
Meu 2º ano escolar, foi diferente e tudo melhorou. Sentia o seminário como minha casa e meus colegas como minha família. Meu rendimento escolar incluiu um dez em latim e  também em disciplina. Consegui fazer boas amizades entre os meus colegas, os quais passaram a me estimar e a me respeitar. Alguns dos quais como: Estevão Delaude, José Riccio e Tiago Gay, tornaram-se meus grandes amigos e compartilharam muito de minha vida e de meus sentimentos.
Acostumado à vida de seminário, sentia o dia a dia normal, os estudos, as missas e meditações todas as manhãs, a visita ao Santíssimo na capela, a reza diária do terço, o silêncio, os dias de retiro... Na verdade, sentia-me atraído para aquela vida, tinha um forte desejo de chegar a uma grande meta e por isso esforçava-me para ser bom e exemplar. Neste sentido, era-me de  grande ajuda a freqüência da confissão semanal e da direção espiritual com o Cônego Luiz Martini.
Eu tinha 14 anos quando o meu bispo Dom Felipe Ártico obteve o reconhecimento de sua inocência ainda em exílio. Mas o dedicado bispo já não tinha mais forças para continuar como pastor da diocese de Asti.
Por isso, pediu a renúncia do cargo e se retirou num mosteiro dos Camaldolenses em Roma.
Neste ponto de minha vida, eu conhecia bem a problemática disseminada pelos governantes de então. Os nomes de Cavour, Siccardi, Rattazzi e outros, eram bem conhecidos, e como filhos da revolução francesa sentiam-se no direito de pisar nas pessoas e instituições, particularmente na Igreja e tudo isso em nome da  "liberdade-igualdade e  fraternidade". Tanto o clero como as freiras eram desprezados, humilhados, perseguidos e roubados em seus direitos.
Este clima hostil e a prepotência de alguns de nossos políticos, chateavam-me muito e isto começou gerar uma certa confusão em minha cabeça. Mas mesmo assim ardia dentro de mim um fogo pela causa de Jesus que me motivava e me impulsionava  a continuar firme em meus propósitos.
Todo este fermento revolucionário em que eu vivia, assim como  os demais seminaristas,  trazia uma série de conseqüências em nossas vidas. Tinha apenas 15 anos quando diante deste absolutismo politiqueiro, Napoleão III, declarava guerra contra a Áustria, que teria como conseqüência o domínio do Piemonte sobre as regiões do norte da Itália. A guerra fez com que em Asti, assim como em outros lugares, muitos seminários fossem tomados pelas tropas para servirem de quartéis e hospitais e com isso, os seminaristas foram dispensados por alguns cantos da cidade ou enviados  para as suas famílias.
A guerra trouxe-nos sérias dores de cabeça. Eu bem me lembro que estávamos no mês de março de 1859, quando chegou o decreto de que a partir de então o nosso seminário se tornaria o 11º Regimento de Infantaria e depois de dois meses tornou-se também hospital militar.
A guerra expandiu-se cada vez mais sob  o  comando de Napoleão e a ação de seus soldados. Alguns de meus colegas embora contrariados tiveram que voltar para suas casas. Eu, ao invés, relutei a esta exigência e continuando firme no meu propósito, passei a morar junto com  uma boa família de Asti, e não obstante as dificuldades, continuei os meus estudos e terminei o ano escolar quase regularmente.
Terminado o ano escolar fui passar minhas férias em São Martinho, mas estava inquieto, pois preocupava-me muito a situação do meu seminário e de meus colegas, quase todos dispensados. A situação para o ano vindouro era certo que não modificaria. Meu seminário continuava ocupado pelos soldados e inclusive a Cúria Episcopal, visto que a sede diocesana  era vacante, tinha se  tornado em quartel general de administração militar.
Eu continuava ainda com meus 15 anos e no fim do mês de outubro de 1859, reiniciava os meus estudos em Asti, continuando como hóspede na mesma família. Junto comigo levei o relatório que o meu pároco, Pe. Torchio tinha  feito sobre a minha pessoa, durante o período que passei de férias. Era uma norma que os párocos enviassem um parecer sobre o comportamento dos seminaristas. Entreguei-o ao Pe.Vitaliano Sossi, visto que não tínhamos o bispo e continuaríamos a não tê-lo até 1867.
O relatório sobre o procedimento que o Pe.Torchio fez sobre mim não foi muito otimista, assim como de um outro meu colega. O clima que tínhamos vivido fora do seminário, a falta da vida comunitária e o ambiente não adequado para formação vivenciado naquele período antes das férias, tinha influenciado a nossa caminhada de até então. Meu pároco fazia notar ao diretor do seminário a minha indolência, sobretudo a minha pouca freqüência à  eucaristia.
Sinto muito, dizia o Pe. Torchio, de não poder dar-vos boas referências à vossa pessoa, sobre os dois seminaristas. Estes foram assíduos às  funções litúrgicas até a um certo ponto, mas  raramente eles receberam os sacramentos. Recomendo que peçais contas aos dois sobre a pouca freqüência aos sacramentos e espero que a vossa autorizadíssima voz os ajudará muito para o cumprimento do dever, despertando-os daquele estado acidioso que parece-me ser neles a pior coisa.
A carta do meu pároco foi certamente dura, mas meus superiores foram compreensíveis com aquele meu comportamento, afinal, durante quase todo o ano escolar transcorrido, eu não tinha tido mais a  normalidade da vida do seminário.
Compreendido e incentivado por meus superiores, iniciei o novo ano com muito empenho. Não titubeei nos estudos, passei a estudar e ler o latim desde Cícero até Horácio e naquele ano tive a nota máxima em quase todas as matérias, inclusive naquela do comportamento, embora eu não vivesse no seminário.
A esta altura eu já não era mais uma criança; tinha meus 17 anos e começava prevalecer em mim um efetivo interesse pelos estudos, assim como começava a ligar-me  mais com  os problemas da Itália, embora o meu ideal, o sacerdócio, eu o tinha límpido e cristalino diante de meus olhos.
Interessava-me pela retórica e comecei a sentir um  grande prazer em escrever poesias. Sobre os meus cadernos começaram a aparecer em forma desordenada às vezes uma dedicatória à Pátria, outras vezes uma poesia ou algumas frases que depois eu as rabisquei,  tais como esta que dizia: "As coisas da Itália não irão bem sem a participação do sabio Marello." Entre as páginas de alguns de meus cadernos, desenhei também o Rei Vittório e Garibaldi, os quais ocupavam um  lugar de destaque na sociedade e influenciavam muitos jovens.
A ausência de um  bispo para Asti, deixava a diocese desgovernada, e com  isso ocasionava uma certa divisão no clero. Além do mais, em seguida, veio a faltar o Reitor do Seminário e com  os seminaristas que voltaram de suas famílias, espalhados pela cidade, apareceram  mais dificuldades. Por isso, o Pe. Sossi responsável pela diocese, sentiu a necessidade de no início deste mesmo ano de 1860, pedir a ajuda de Dom Bosco para assumir a formação de alguns seminaristas. E Dom Bosco prontamente assumiu vinte seminaristas em seu oratório de Valdocco, mas eu não fiz parte deste grupo, pois tinha sido promovido  ao 1º ano de Filosofia, saltando um ano de estudos.
Aquele meu primeiro ano de Filosofia, trouxe-me o conhecimento de novos professores. Empenhei-me muito nos estudos, logo naquele início de ano. Lembro-me que fiz um trabalho filosófico escrito em latim sobre a ligação que deve existir  entre a razão e a divina revelação. Foi um raciocínio onde eu afirmava que o homem quando nasce, traz consigo uma luz que lhe faz penetrar as coisas do mundo e pode conhecer as coisas criadas, mas não vai além disso. Mas para chegar até Deus, o homem só poderá através da fé em Jesus Cristo. A conclusão que eu  tirei neste meu raciocínio é que a luz da razão e aquela da fé provém de Deus. Portanto, para não se admitir contradição em Deus, é preciso que a razão e a revelação sejam contrastantes, mas que haja entre ambas um conúbio.
Naturalmente a elaboração deste meu trabalho exigiu de minha  parte muita pesquisa desde os filósofos Kant, Fichte até Hegel. Fui elogiado pelo meu trabalho e é claro que tudo isto me enaltecia, mas bem lá no fundo, algo me preocupava, pois percebia que a razão começava a  prevalecer, enquanto que a fé parecia que aos poucos estava se enfraquecendo dentro do meu coração.
Terminei aquele ano sendo o primeiro da classe e logo em seguida fui de férias para São Martinho, era a metade do mês de junho de 1861.
Pela primeira vez, não me sentia bem comigo mesmo, fazendo com que aquelas férias fossem horríveis. Já não me sentia mais um apaixonado por Deus como era antes. Interiormente me sentia perturbado, triste e desencorajado.
Finalmente chegou o momento de voltar para o seminário; muito embora  desmotivado voltei e tive forças para recomeçar os estudos enquanto continuava morando na casa daquela boa família que me hospedava, visto que o nosso seminário continuava ainda nas mãos dos militares. Devido à  instabilidade, alguns dos seminaristas tinham ficado em suas casas naquele ano. Por minha sorte, meus grandes amigos, Delaude, Motta,  Vespa e Riccio, ajudaram-me  a manter  meu ânimo.
Em Asti recomeçava portanto, mais um ano de estudos. Seriedade e empenho para estudar não me faltou, tanto é verdade que tive melhores resultados que nos anos anteriores. Mas isto não era tudo, eu compartilhava todos os dias a oposição ferrenha à igreja particularmente por parte dos maçons, dos liberais e dos  radicais, e isto me preocupava. Neste contexto,  tantos os sacerdotes como  os bispos e o próprio Papa Pio IX, eram vistos e tidos como inimigos da Itália. Por outro lado a conduta do clero não era sempre exemplar. Alguns eram expulsos de suas províncias e davam maus exemplos. Então eu me perguntava: Como será a minha vida amanhã em meio de todas estas contrariedades? Será que valerá a pena ser padre, quando muitos do clero não eram exemplares?
Diante deste emaranhado de confusão e questionamentos, uma idéia começou atormentar-me continuamente: Ser um jornalista, um líder do povo, ou ao menos ser algo que caracterizasse um empenho forte no mundo. Eu que sempre tinha sido sincero comigo mesmo chegava à conclusão naquela encruzilhada da minha vida, que tornar-se padre daquela maneira e naquele contexto não valia a pena. Era portanto, melhor ser um bom cristão dentro do mundo.
Terminei aquele ano atormentado por este  pensamento sem manifestar muito minhas apreensões, talvez porque era tímido ou porque tinha receio de expor-me. Mas ao voltar a casa de férias, confidenciei tudo ao meu pai. Ele ouviu-me atentamente e depois aconselhou-me a ir  experimentar minha vida fora, buscando outros caminhos para a minha realização.
Todo aquele  período de férias, a exemplo do ano anterior, foi muito difícil para mim. Questionava-me, escrevia aos meus amigos, rezava, mas não como antes e com aquele fervor. Era a minha crise.